Política

Bonner, porta-voz da aliança entre a mídia, a Justiça e o mercado

No Jornal Nacional, a Globo exibiu suas armas contra Fernando Haddad. Estaria pronta a abraçar o neoliberalismo fascistóide?

Haddad no Jornal Nacional
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A participação de Fernando Haddad na bancada do Jornal Nacional mostrou a estratégia de desconstrução que será seguida pela mídia, o quarto poder da República: a ênfase nas denúncias da Lava Jato e na responsabilização do PT pela crise econômica.

William Bonner falou mais tempo que Haddad para defender duas teses e não para perguntar ao candidato. Segundo a Globo, nem o sistema político nem agentes individuais são responsáveis pela corrupção, mas um esquema liderado por uma organização específica, o PT.

Haddad recusou a exigência de “desculpas” e reafirmou que indivíduos culpados devem ser punidos. Não teve tempo de dizer que seu partido, ao contrário dos rivais, sempre defendeu a proibição do financiamento empresarial de campanhas eleitorais.

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Contudo, Haddad reafirmou que o PT e os governos Lula e Dilma tiveram um compromisso institucional com o fortalecimento das instituições de controle da corrupção que não via no governo Fernando Henrique Cardoso ou neste de Temer. Para quem não lembra, FHC nomeou chefe do Ministério Público Geraldo Brindeiro, que tinha o justo apelido de “engavetador-geral da República”.

Haddad também lembrou que a corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público investiga os promotores que acusaram a ele, Beto Richa e Geraldo Alckmin há poucas semanas da eleição. A propósito, a reação dos promotores da força-tarefa da Lava Jato foi chamar a investigação de “mordaça”, numa “tentativa indevida de constranger o Ministério Público”. A Lava Jato pensa ter substituído o Poder Judiciário no papel de terceiro poder da República?

Haddad deve se preparar para a união previsível do terceiro e o quarto poderes contra a candidatura do PT. O ataque contra Richa e Alckmin parece um álibi para autorizar a bomba que a Lava Jato plantará no Jornal Nacional às vésperas das eleições: a delação de Antonio Palocci.

A segunda tese da Globo é que, na gestão da economia, Palocci sempre esteve certo, e que os erros do primeiro mandato de Dilma, e não a austeridade de Joaquim Levy, são responsáveis pela crise atual. Como mostrei anteriormente, a versão da Globo chegou ao ponto de distorcer os dados para defender o absurdo de que a recessão começou em 2014 e não em 2015 com Joaquim Levy.

Os jornalistas da Globo procuraram extrair de Haddad uma admissão dos erros de Dilma e um compromisso com a austeridade. Como o programa do PT resultou da colaboração de dezenas de políticos e técnicos e foi coordenado pelo candidato, teoricamente não deveria haver incerteza sobre seu conteúdo.

Não obstante, desde agosto circula o rumor de que, nas diversas reuniões com representantes de grandes instituições financeiras, Haddad teria traçado o perfil de seu ministro da Fazenda como “um quadro conhecido do mercado, com credenciais fortes, afinado ao projeto petista e dono de uma biografia que remeta ao pragmatismo.”

Em entrevista na GloboNews em 6 de setembro, Haddad fez questão de dizer que acelerou o pagamento das dívidas do município (com precatórios) e que é bem recebido no mercado financeiro. Fez críticas a algumas decisões de política econômica do governo Rousseff em 2013 e 2014, mas não diretamente a Joaquim Levy em 2015.

Haddad repetiria o tema na entrevista com Bonner no Jornal Nacional: a recessão iniciada em 2015 teria sido provocada sobretudo pela incerteza gerada pela não aceitação do resultado eleitoral pelo PSDB e pela sabotagem de Eduardo Cunha.

Ao menos na GloboNews, Haddad  teve tempo para pedir mais pluralismo na cobertura econômica e criticar a cartilha ortodoxa: “A GloboNews nunca contou com o outro lado para falar de crise na economia”, disse. O candidato defendeu o programa de seu partido, não o programa dos jornalistas da Globo.

Fez o mesmo em entrevista à CartaCapital: “Às vezes, o mercado faz um certo terrorismo e o jornalismo econômico compra o discurso pelo valor de face”, afirmou. Seu programa propõe revogar a emenda do teto do gasto, reinvestir em infraestrutura, proteger os mais pobres no orçamento público e tributar os riscos e os bancos.

A pressão da grande mídia é complementar àquela do mercado financeiro, o quinto poder da República: dólar e Bolsas oscilam em razão da possibilidade de eleição de Jair Bolsonaro. E como se coordenados ao ataque especulativo, os editoriais da quinta-feira 13 dos três jornais de maior circulação atacaram a “incerteza” de um governo Haddad. Enquanto o Estadão pintou o apocalipse caso a democracia brasileira não confirme as preferências dos acionistas do jornal, a Folha aludiu a um novo “estelionato eleitoral” e o Globo seguiu a linha das entrevistas da GloboNews.

Com o subtítulo “ungido, o candidato tem de esclarecer se seguirá de fato políticas que geraram a crise”, o editorial do Globo repetiu que “o erro do lulopetismo na manutenção da gastança foi tão grande que, uma década depois, o Brasil ainda patina. Haddad precisa logo se definir na campanha sobre a agenda econômica.”

O objetivo evidente da especulação do quarto e do quinto poderes é senão emplacar o nome do ministro da fazenda de um eventual governo Haddad, comprometê-lo com a agenda de restauração da confiança do mercado por meio da austeridade.

Que o “mercado” financia a nova direita no Brasil e na América Latina e abraça, por meio de Paulo Guedes, a candidatura de Bolsonaro, não é novidade. No limite, quer que militares dispostos a abraçar a causa neoliberal e ceder a soberania nacional, a base de Alcântara e a Petrobras funcionem mais uma vez como árbitros da democracia brasileira. Agora como uma espécie de sexto poder em nome da globalização.

No neoliberalismo, o compromisso do capitalismo com a democracia é contingente, não obrigatório. A aliança entre o general Pinochet, Milton Friedman e Friedrich Hayek  não foi um acidente. A mídia brasileira também tem um histórico no mínimo ambíguo com a democracia, vide o apoio aberto ao golpe de 1964.

O povo brasileiro rejeitou o neoliberalismo de FHC e Temer, que agora é vendido escondido no meio do pacote de combate ao crime, à corrupção e à insegurança nas grandes cidades. Como o Poder Judiciário desrespeitou ritos e prazos para tirar Lula das eleições, resta esperar que as redes sociais protejam a democracia e desmontem as acusações sem prova material que a Lava Jato provavelmente entregará ao Jornal Nacional às vésperas das eleições, como em 2014.

Infelizmente, não é improvável que o terceiro, o quarto, o quinto e o sexto poderes se alinhem em defesa do fascismo neoliberal ou do neoliberalismo fascista de Bolsonaro.

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