Política

Candidato a governador, ex-juiz diz que sociedade quer novos líderes

Para o ex-magistrado Márlon Reis, possíveis concorrentes gestados no Judiciário em 2018 relacionam-se à inoperância dos partidos políticos

Márlon Reis trabalhou como juiz em Tribunais Superiores até abril de 2016
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Um dos idealizadores e relator da Lei da Ficha Limpa, o ex-magistrado Márlon Reis lançou sua candidatura ao governo do Maranhão pela Rede Sustentabilidade já para as eleições de 2018. Se concorrer de fato, disputará o cargo com outro ex-juiz: o atual governador Flávio Dino, do PCdoB. 

Junto com Odilon de Oliveira, pré-candidato ao governo do Mato Grosso do Sul, Reis é expoente de um movimento de ex-juristas que deixaram seus cargos no Judiciário e migraram para a atuação político partidária.

Natural de Tocantins, Reis trabalhou como juiz em Tribunais Superiores até abril de 2016. É um dos fundadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Também foi responsável por exigir que os nomes dos doadores de campanha eleitoral fossem divulgados antecipadamente, medida com abrangência nacional por decisão da ministra Cármen Lúcia, do Superior Tribunal Federal.

Em entrevista a CartaCapital, Reis fala sobre a inoperância dos partidos políticos de gerarem novos líderes diante do desgaste da imagem de política tradicional e os motivos que o levaram a deixar do Judiciário.

CartaCapital: Como do senhor analisa esse movimento de nomes relacionados ao Judiciário como possíveis candidatos às eleições de 2018?
Márlon Reis: Na verdade, eu vejo muitos rumores. Eu vejo casos como o do ex-magistrado Odilon de Oliveira e o meu. Realmente nos apresentamos e o meu caso já é uma decisão tomada. Mas os motivos são completamente diferentes. Eu, por exemplo, não me notabilizei por ter tomado decisões judiciais. A minha notabilidade se deu fora do Judiciário, como um cidadão que nas horas vagas participa de movimentos sociais em busca de mudanças de leis, como o movimento que desembocou na Lei da Ficha Limpa.

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A minha atividade no Judiciário jamais me concedeu qualquer tipo de notoriedade. Eu sempre tive uma conduta muito restrita, interna e fechada como juiz. Por exemplo, eu não não tinha a prática de conceder entrevistas sobre processos e assuntos jurídicos. Sempre levei isso muito à risca. A minha notoriedade provém de atos praticados como cidadão, discutindo e promovendo alterações na política e não julgando qualquer tipo de conduta.

CC: Porque o senhor decidiu deixar o Judiciário?
MR: Quando eu entrei no Judiciário, quis ficar por um tempo pequeno. Sempre fui ativista, muito politizado e participei de movimento estudantil. No Judiciário eu sofria com impossibilidade de ter liberdade pública, liberdade de emitir opinião. Eu deixei a magistratura em nome da liberdade cívica que eu sempre prezei. Deixei o conforto de uma profissão relativamente privilegiada em busca da minha liberdade cívica. Com isso passei a opinar, me filiei à Rede Sustentabilidade e decidi sobre minha candidatura como liberdade de qualquer cidadão.

CC: A possível candidatura de ex-magistrados está relacionada ao desgaste da política tradicional?
MR: Com certeza tem a ver com o desgaste da política tradicional. A sociedade brasileira está em busca de novos líderes. Está buscando a renovação dos partidos, a reconstrução e o reposicionamento dos partidos a fim de superar a maneira tradicional de organização.

A renovação dos nomes é um fenômeno global. No caso do Brasil, alguns juízes podem despontar como líderes em virtude de uma grande carência de nomes do próprio universo político. A que eu atribuo isso? A uma fraqueza da política tradicional que não foi capaz de gerar novos quadros, novos líderes, novos nomes, isso da direita à esquerda.

A forma tradicional, hierárquica, piramidal dos partidos do mais amplo leque ideológico fez com que houvesse uma limitação ao gerar novos quadros. E nesse universo qualquer um que desponte com um discurso dotado de legitimidade pode ocupar o vazio deixado pela incapacidade dos partidos de renovar essas lideranças.

Essa falha tem a ver com a matriz caciquista dos partidos e do modelo completamente hierarquizado. As cúpulas partidárias chegaram ao absurdo de não produzir mais diretórios partidários estaduais e municipais, apenas comissões provisórias, porque os líderes nacionais e estaduais ditam quem serão os líderes municipais. Os que estão acima indicam a canetadas quem serão os representantes partidários de outros locais.

Os partidos não operam mais como partidos, mas como áreas burocráticas para a formalização de candidaturas, sendo que o maior formador de novas lideranças é o partido, no sentido social da expressão. São grupos militantes democraticamente compostos. Quando eu falo isso, minha crítica atinge os partidos grandes de todo o espectro ideológico.

CC: Na inoperância dos partidos, quem irá gerar novos líderes? O Judiciário?
MR: Espero que não. Espero que a política gere esses líderes, porque o que está acontecendo não vem só em relação ao Judiciário. Mas outros nomes que vão se despontando também é fruto dessa inoperância dos partidos na geração de novos líderes, porque deixaram de cumprir o papel social. Quem tem o papel de impedir que isso aconteça é a própria política. Caso contrário a sociedade continuará buscando.

Eu dou um exemplo, o PT era um partido de mobilização social, envolvia jovens, camponeses e trabalhadores de diversos segmentos. Mas abandonou completamente essa prática para fazer alianças tradicionais com grupos extremamente oligárquicos, como o do Sarney no Maranhão, que eu acompanhei de perto, porque morava lá.

Com isso, deixou também de lado o processo de formação política que era sua característica até antes da primeira eleição do presidente Lula, em 2002. A partir disso, os quadros que aparecem foram quadros da política tradicional importados para o interior do PT. Daí que provém a falta de novos nomes. Isso funciona em todos os partidos que governaram o país nas últimas décadas.

A grande responsabilidade é da opção do partidos pelo uso pragmático do jogo, porque acreditam que fazer parte do jogo é a única chance de vitória. Mas quando eles aderem, perdem a capacidade de atrair novos líderes motivados por um espírito mais republicano e militante. Por isso existe esse espaço vazio na política. Se os partidos não cumprirem esse papel, alguém cumprirá.

A sociedade está buscando novos nomes em todos os lugares. E não é no Judiciário. Veremos isso com uma renovação profunda em 2018. Eu mesmo acompanhei mudanças e derrotas de grupos tradicionais em regiões norte e nordeste do Brasil. Em 2018, isso tende a robustecer.

O Judiciário não é formador de quadros da política. Tanto prova que ele não está formando por conta até do número ínfimo de pessoas que você vê mencionadas nesse possível contexto, somente duas.

Esses líderes podem ser ou não ser parte de quadros que outrora pertenceram ao Judiciário. A sociedade está buscando pessoas que tenham uma biografia e que confiem as práticas políticas. Está colocando os partidos na berlinda.

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