Política

Como Lula em 2006, o ausente Bolsonaro domina debate na Globo

Candidato foi alvo constante de Ciro e inspirou discurso de Boulos contra ditadura. Haddad foi mais moderado

O líder nas pesquisas não esteve presente, mas gravou entrevista par Record no mesmo dia
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Em uma campanha disputada na terra de ninguém dos grupos de WhatsApp, é difícil medir se um debate presidencial na TV Globo ainda pode influenciar mudanças nas intenções de voto antes do primeiro turno. A ausência de Jair Bolsonaro, do PSL, principal tema dos candidatos no confronto deste ano, causará algum impacto no eleitor? 

Do inspirado discurso de Guilherme Boulos, do PSOL, contra a ditadura civil-militar defendida pelo líder nas pesquisas às constantes provocações e críticas de Ciro Gomes, do PDT, Marina Silva, da Rede, Fernando Haddad, do PT, e até Henrique Meirelles, do MDB, o capitão reformado do Exército se fez presente como outro ausente ilustre na corrida presidencial de 12 anos atrás: o ex-presidente Lula. 

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Impedido de disputar as eleições deste ano, a liderança petista adotou estratégia semelhante à de Bolsonaro em 2006, quando também não compareceu ao debate na Globo na reta final do primeiro turno. O candidato do PSL justificou sua ausência por recomendações médicas, mas gravou ainda nesta quinta-feira 4 uma entrevista à TV Record, veiculada assim que teve início o debate na Globo, precisamente às 22h05. Dono da emissora, Edir Macedo, líder da Igreja Universal, declarou seu apoio a Bolsonaro há poucos dias. 

Em 2006, o ausente Lula sofreu críticas constantes de Geraldo Alckmin, Heloísa Helena e Cristovam Buarque, seus concorrentes à época. Foi chamado de “traidor” e “covarde” e não esteve presente para se defender. Da mesma forma, os candidatos de 2018 uniram-se contra o líder nas pesquisas, a tal ponto que os enfrentamentos esperados entre Ciro e Haddad foram substituídos por razoável cordialidade. 

Se a eleição está polarizada entre o lulismo e o anti-lulismo interpretado por Bolsonaro, como Ciro definiu, o candidato do PT, único polo presente ao estúdio da Globo, criticou propostas do candidato do PSL, mas não foi tão contundente como o pedetista e Boulos.

Preferiu adotar a estratégia de celebrar feitos dos governos petistas e defender Lula, embora tenha cutucado o que chamou de ruralistas arcaicos, “que estão apoiando Bolsonaro”. A bancada do agronegócio também declarou apoio ao capitão reformado do Exército nesta semana. 

A timidez de Haddad nos ataques a seu principal opositor revelou-se em um dos momentos mais marcantes do encontro, justamente quando o petista perguntou ao candidato do PSOL sobre as críticas do general Mourão, vice de Bolsonaro, a direitos como o décimo-terceiro e o abono de férias. Boulos fez um forte e aplaudido discurso contra o candidato e sua defesa dos tempos da repressão militar. 

“Não dá pra gente fingir que está tudo bem. É uma campanha marcada pelo ódio. Faz 30 anos que esse país saiu da ditadura”, lamentou o candidato do PSOL. “Tem mãe que não conseguiu enterrar seu filho até hoje. Outro dia meu sogro me contava das torturas que ele sofreu na ditadura. Se estamos aqui hoje discutindo o futuro do brasil, é que teve gente que deu a vida por isso. Eu não quero que os meus filhos cresçam numa ditadura. Ditadura Nunca Mais”, concluiu, em meio a aplausos.

Haddad, pelo contrário, procurou não se estender na associação entre a repressão militar e o candidato, ao bater nas propostas econômicas da campanha de seu adversário. 

O petista protagonizou um pequeno confronto com Geraldo Alckmin, do PSDB, em que ambos se atacaram pela responsabilidade da crise econômica dos últimos anos. Mas o principal adversário do ex-prefeito de São Paulo na Globo foi Álvaro Dias, do Podemos. Sua obsessão com a corrupção petista no debate levou todos a risada quando foi sorteado para perguntar sobre seu tema favorito. E, claro, investiu contra Haddad. 

Após celebrar o apresentador William Bonner (“sempre te vejo pela tevê”) e não conseguir concluir sua primeira pergunta, Álvaro avisou que havia trazido uma carta para Haddad levar ao “verdadeiro candidato do PT nestas eleições”, preso em Curitiba. O ex-prefeito de São paulo o criticou. “Você deveria ter mais compostura, não respeita o tempo, não respeita os seus adversários e faz brincadeira com coisa muito séria.”

Haddad foi cobrado por Marina Silva sobre uma autocrítica do PT pelo envolvimento em escândalos de corrupção. “É lamentável que você não reconheça nenhum dos erros”, disse a candidata da Rede.”Você tem a chance de olhar para o povo brasileiro e reconhecer os erros, e ainda se faz um elogio do mesmo jeito, como se reconhecer erros fosse um problema. Não é. Precisamos de um projeto de país, não de um projeto de poder.” O petista retrucou. “Eu dou entrevistas reconhecendo erros, mas eu não vou jogar a criança fora com a água do banho, eu tenho uma vida publica sem nenhum reparo.”

Ciro foi menos bélico com Haddad. Primeiro a perguntar, preferiu convidar Marina para debater a polarização entre PT e Bolsonaro. Questionou a candidata da Rede sobre o temor de um novo impeachment no Brasil pela continuidade de uma disputa odienta, como foi entre Dilma Rousseff e Aécio Neves em 2014.

Quando esteve à frente do petista, Ciro manteve um debate propositivo. Ao comentar seu projeto para o meio-ambiente, foi elogiado por Haddad. Preferiu atacar Bolsonaro ao debater com o petista a reforma da Previdência. Disse que proposta para as aposentadorias de Paulo Guedes, economista do ex-militar, é a mesma de Temer. Brincou com ex-prefeito de São Pulo ao dizer que tinha quatro das cinco maiores centrais sindicais a favor de sua candidatura. “Nessa pesquisa eu ganho de 4 a 1 de você”.

O pedetista buscou desconstruir ao máximo o ex-militar ausente. Afirmou que as ações da Taurus, fabricante de armas, aumentaram 180% durante a campanha, e disse que integrantes da “turma” do candidato do PSL ligados à empresa estariam “ganhando muito dinheiro”. “Ele se ausentou do debate aqui, queria tirar a máscara dele”, provocou. 

A Meirelles, Ciro perguntou o que o candidato do MDB achava da ausência de Bolsonaro do debate. O ex-ministro da Fazenda de Temer fez coro com o pedetista. “Estamos aqui enfrentando isso com respeito ao eleitor”. Ciro lembrou da proposta de Mourão de rever o décimo-terceiro e criar uma alíquota única para o Imposto de Renda. Chamou o vice de Bolsonaro de “tosco”, mas “sem a habilidade política de um mentiroso”, ao se referir ao cabeça de chapa. “Não vai dar certo”, disse Meirelles sobre um eventual governo Bolsonaro. 

Ausente na Globo, mas presente na Record, nas redes sociais e no WhatsApp, Bolsonaro preferiu, à parte as recomendações médicas, ausentar-se sob o conforto de liderar as pesquisas. Não é algo novo na política, e já foi feito por seu principal adversário simbólico deste pleito há 12 anos. 

Na ocasião, projetava-se uma possível vitória de Lula no primeiro turno, que não se concretizou. O petista venceria as eleições, mas sua ausência no debate pode ter sido decisiva para que não fosse eleito já na primeira etapa da disputa.

Diante do poder minguante da televisão na atual campanha, não cabe, porém, fazer prognósticos sobre o impacto eleitoral de um debate na Globo antes de novas pesquisas.  

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