Política

‘Culpar #EleNão pela alta de Bolsonaro é expressão do machismo’

Pesquisadora afirma que o desafio das mulheres agora é sair dos próprios redutos e levar campanha para a periferia

Para pesquisadora, movimento foi fundamental para que as mulheres dissessem aquilo que não vão aceitar
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Se por um lado a campanha presidencial tem polarizado os eleitores entre os que são contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) com os o que não querem de maneira nenhuma a volta do PT ao poder, o debate sobre as mulheres é central na disputa das narrativas eleitorais.

As explícitas manifestações de Bolsonaro contra os direitos das mulheres, cujo produto mais expressivo do outro lado é o movimento #elenão, colocou a pauta delas na linha de frente nesta campanha.

Segundo a última pesquisa Ibope feita antes das manifestações do #elenão no dia 29, o deputado e militar da reserva tinha 36% das intenções de voto entre os homens e 18% entre as mulheres. Ou seja, o dobro de apoio no eleitorado masculino. Em cada três de seus eleitores, apenas uma era mulher (66% contra 33%).

Das manifestações para cá esse quadro começou a se alterar sensivelmente: Bolsonaro cresceu 6% entre as mulheres de acordo com a última pesquisa Ibope. O levantamento do Datafolha também registrou avanço do candidato (de 21% para 27%). Esse crescimento se dá principalmente entre mulheres brancas, de alta escolaridade e do Sudeste.

O crescimento de Bolsonaro na sequência dos atos pegou de surpresa o campo progressista, e trouxe avaliações, inclusive de candidatos progressistas, que “culpam” as manifestações pelo avanço do capitão reforma do Exército na disputa.

Segundo Beatriz Rodrigues Sanchez, pesquisadora do Grupo de Estudos e Gênero da Universidade de São Paulo, culpar as mulheres pela performance de Bolsonaro é mais uma expressão do machismo na sociedade. “O campo progressista não soube aproveitar a força política criada pelas mulheres para a disputa eleitoral”, afirma.

Carta Capital: Como você avalia o crescimento do candidato após as manifestações mobilizadas pelo #elenao?
BRS: A relação da mobilização social e da mobilização eleitoral é complexa. Não dá pra dizer que foi por causa da mobilização das mulheres que o Bolsonaro cresceu. Um fenômeno só não explica o que ocorreu. Tem mais relação com sentimento anti-petista que aumentou porque o Haddad cresceu nas pesquisas. As pessoas entenderam que o Bolsonaro é o representante desse sentimento, e entendem que a eleição dele é a única alternativa pra barrar a eleição do PT. Tem uma outra questão que explica esse crescimento que é a segurança.

CC: A senhora não acredita que os atos têm relação com esse crescimento?
BRS: O campo progressista não soube aproveitar a força política criado por esse movimento de mulheres para disputa eleitoral; então eu acho que a culpa desse crescimento não tá no movimento de mulheres, mas na esquerda como um todo que não conseguiu furar a bolha. Da incapacidade de entender que essa discussão vai além dos nossos redutos.

CC: De imediato, alguns setores, inclusive candidatos de esquerda, associaram diretamente aos protestos a “culpa” pelo acirramento da polarização.
BRS: Não é uma surpresa, as mulheres acabam sempre sendo culpadas pelas mais diversas coisas. É a expressão do machismo da nossa sociedade culpar um movimento que foi tão expressivo e tão novo para a democracia. Foi uma surpresa para todos esse crescimento dele (Bolsonaro) logo após os atos de sábado.

Mas os atos foram fundamentais para dizer para a opinião pública que têm coisas que não são aceitáveis para nós (mulheres), como defender a tortura, o armamento, que em seu plano de governo quase não tem menções às mulheres.

CC: E o fato do candidato ter aumentado seu potencial entre as mulheres? O Ibope aponta um crescimento de 6% do seu eleitorado feminino.
BRS: Acho que foi uma reação conservadora ao movimento, e que mostra os limites do feminismo liberal. Ou seja, a luta das mulheres deve articular as relações de raça e classe e se comunicar com o povo mais pobre que não tem acesso a esses debates da academia. O #elenão ainda teve um caráter de vanguarda, ou seja, de mulheres de classe média que se mobilizaram. E mostra como as mulheres que não têm acesso a esse debate não estão recebendo informação do que significa para elas mesmas votar no Bolsonaro.

É importante ressaltar que a mobilização teve uma extensão que não se viu antes. Os protestos que as mulheres fizeram em 2015 contra o Eduardo Cunha não chegaram nas cidades do interior, por exemplo. A rejeição das mulheres ao Bolsonaro ainda é expressiva e as mulheres vão influenciar nessa disputa.

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