Em extinção

A desistência de Doria expressa a lenta agonia do PSDB, engolido pela soberba e pela própria esperteza

Imagem: Redes sociais

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Nas matas brasileiras, o tucano, à falta de comida, avança sobre filhotes e pequenos pássaros. Outra ave nativa, o chupim, tem o hábito de colocar seus ovos em ninhos alheios e entregar a espécies diferentes a criação de seus rebentos. É a lei da selva, a imposição dos mais fortes, espertos e aptos. No mundo da política, prevalece, no entanto, uma regra diferente: esperteza, quando é demais, engole o dono. E os tucanos de terno e gravata são as maiores vítimas da soberba. Nascido da costela do PMDB, retratado pela mídia como um partido de “autênticos” e intelectuais,­ no comando do Brasil por oito anos, à frente de São Paulo, o mais rico estado da federação, por quase três décadas, o PSDB atravessa o que parece ser o estágio terminal de sua história. A legenda de Mário Covas e Franco Montoro, que um dia pretendeu transportar para os trópicos os ideais da social-democracia europeia, mergulhou no abismo profundo após quatro derrotas seguidas nas disputas presidenciais para o PT. O amargor feriu egos e levou as lideranças a abrir a caixa de Pandora do golpismo, avalizar a antipolítica e permitir que o ninho fosse tomado por chupins. Ironicamente, o intencional flerte com a ruptura das regras básicas da institucionalidade não beneficiou a agremiação, como previam os iluminados caciques. Ao contrário, o tucanato corre o risco de ser varrido do mapa, engolido pelos males que libertou.

A renúncia de João Doria à candidatura presidencial foi mais um prego no caixão. “Serenamente, entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito esta realidade com a cabeça erguida”, discursou, com voz embargada, o ex-governador paulista na segunda-feira 23, para surpresa de poucos. Como se fosse um modelo da Pietá, Doria cruzou os braços sobre o peito e cerrou os olhos antes de deixar a ribalta. A cena em uma manhã fria paulistana marca o fim de um projeto político meteórico e ambicioso iniciado há seis anos, quando foi eleito em primeiro turno prefeito da capital. Autêntico chupim, o organizador de eventos traiu os aliados na primeira oportunidade, a começar por seu padrinho, Geraldo Alckmin, renunciou à prefeitura depois de dois anos de mandato para disputar o governo do estado e tomou de assalto a legenda como se fizesse a “compra hostil” de uma empresa na Bolsa de Valores. Ou como se contrabandeasse ovos para o ninho. Para alcançar o objetivo, uniu-se de forma oportunista a Jair Bolsonaro em 2018, no chamado “BolsoDoria”. Venceu, mas, no fim, não levou. Desprezado pela aristocracia partidária, rejeitado pelos eleitores e odiado pelo ex-capitão, Doria foi, como o diz o ditado citado no início desta reportagem, engolido pela própria esperteza.

O partido irá a reboque do MDB ou lançará outro nome? Nenhuma alternativa anima

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