Política

Haddad: ‘Não tem por que mobilizar as Forças Armadas para o Rio’

Na segunda parte da entrevista a CartaCapital, coordenador do programa do PT apresenta propostas para a segurança e para a retomada da economia

Coordenador do programa de governo de Lula, Fernando Haddad, após entrevista
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Fernando Haddad, coordenador do programa de governo do PT conversou com CartaCapital em sua casa, na sexta-feira 27, na zona sul de São Paulo. Nesta segunda e última parte da entrevista, o ex-prefeito de São Paulo e ministro no governo Lula analisa dois dos temas que mais preocupam a população: a segurança pública e a retomada da economia.

Principal porta-voz de Lula e cotado como plano B, caso o ex-presidente não possa disputar as eleições, Haddad afirma não ver motivos para que se mantenha militares na intervenção do Rio de Janeiro e defende a criação de uma polícia de ciclo completo no âmbito federal. A partir disso, ele acredita ser possível avançar no debate da PEC 51 – que trata da desmilitarização da Polícia Militar.

“Se a gente não der o exemplo a partir do governo federal, nós não vamos conseguir fazer a discussão na base. Temos que ter uma experiência civil de ciclo completo no plano federal.” Segundo ele, o governo do PT pretende montar um grupo de policiais civis nos primeiros dias de governo para retirar as Forças Armadas da ruas.

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Para a retomada da economia brasileira, Haddad defendeu a revogação da PEC do teto de gastos públicos e a imediata retomada das obras públicas paradas. O critério, segundo ele, se baseará naqueles empreedimentos que geram mais emprego por real investido. “Teremos que fazer uma análise parametrizada desses indicadores. E o que que gera mais retorno em termos de emprego.”

Haddad também defende a desoneração do imposto de renda à população que ganha até cinco salários mínimos e a criação de linhas de crédito facilitadas para reinserir os brasileiros no mercado de consumo de massa.

CC: O senhor tem repetidas vezes falado sobre a necessidade de investimento em inteligência na área da Segurança Pública. O que acha do programado governo de São Paulo, o Detecta, que faz o monitoramento a partir de várias bases de dados e câmeras das cidades?
FH: O Detecta é uma tecnologia útil, como toda tecnologia. Nós conveniamos a Prefeitura de São Paulo e todos os radares da cidade de São Paulo estão integrados ao Detecta.

Ela tem demonstrado alguns resultados. Não sou a pessoa mais indicada para falar sobre isso porque é um programa estadual, mas eu integrei os radares todos de São Paulo com o sistema operacional do Detecta porque facilita muito a localização… Você localiza carro roubado, você localização carro em fuga quase em tempo real. São alguns segundos de delay desde a captura da imagem até a informação à autoridade policial. É um sistema que nós apoiamos.

CC: Quais seriam as propostas específicas do PT para a área de segurança?
FH: No nosso programa, quando falamos em inteligência também falamos sobre o sistema jurídico e prisional. Estamos promovendo um encarceramento em massa com resultados contraproducentes.

Hoje temos mais de 200 mil pessoas presas associada ao microtráfico de drogas. Por que falo do microtráfico de drogas? Por que quando a gente faz o cruzamento entre o quanto foi apreendido com as pessoas presas, você vai ver que se está inflando estatísticas de encarceramento sem nenhum resultado prático. Então, quando nós falamos que a Polícia Federal vai atuar com mais inteligência será sobretudo nesses crimes que tem escala nacional: tráfico de armas, tráfico de drogas, crimes financeiros… Nós vamos reforçar o papel da União nessas atividades, visando dar mais inteligência para o sistema e focando o topo da pirâmide das organizações criminosas.

Estamos com o foco muito no varejo da pequena operação e sem foco nenhum no que de fato é importante. E pior: não estamos enfrentando problemas que cabem às polícias. Por exemplo, o genocídio em massa que está acontecendo no Brasil: mais de 60 mil mortes por homicídio. Isso tem que ser tratado de forma epidêmica. É um problema de segurança, de saúde gravíssimo.

Precisamos recuperar a ideia que sempre foi cara a nós, do Sistema Único de Segurança Pública, resgatar os princípios dos programas como o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) e integrar melhor as polícias a partir de princípios: ciclo completo, desmilitarização de temas importantes. Essa intervenção militar no Rio de Janeiro… Não tem por que  mobilizar as forças armadas para esse fim. Se tivesse um contingente civil, mesmo que em âmbito federal, você poderia ampliar de maneira integrada com muito mais eficiência.

CC: Se a próxima semana fosse a primeira semana de governo do PT, qual que seria a medida tomada em relação ao Rio de Janeiro neste âmbito?
FH: A nossa pretensão é reforçar um contingente da polícia civil. Queremos desmilitarizar um tema como da intervenção. Se formos cooperar com o estado na área de segurança, nós vamos ter um contingente civil para isso. Não pretendemos mobilizar, mesmo que a pedido, contingente militar para atuação policial. No plano federal a gente quer um contingente civil para atuar nesses casos. Um contingente específico para isso, que possa exercer o ciclo completo na atuação contra o crime em situações como a do Rio.

CC: Como o PT enxerga o pedido de parte da sociedade sobre a desmilitarização da Polícia Militar?
FH: Isso é a PEC 51, que é uma Proposta de Emenda Constituição bastante complexa, mas se a gente não der o exemplo a partir do governo federal, nós não vamos conseguir fazer a discussão na base. Nós temos que ter uma experiência civil de ciclo completo no plano federal e mostrar a atuação. Pode ser no Rio ou pode ser outro lugar… De qualquer maneira não se pode fazer a retirada do contingente no dia 1º de janeiro. A gente vai ter que fazer um contingente civil e isso levará algum tempo. Mas a decisão está tomada de iniciar o processo de desmilitarização desse contingente federal para a atuação por cooperação federativa.

CC: Ainda não ficou totalmente claro o investimento que será feito em inteligência.
FH: O problema hoje é a fragmentação da polícias e o fato que nenhuma delas cumprirem o ciclo completo. Se perguntar a um especialista o que é um ciclo completo, ele dirá que é uma polícia, como em qualquer país desenvolvido, que faz de A a Z , prevenção, investigação, punição… Ela começa e termina um trabalho.

Hoje, na base, você tem uma fragmentação entre Polícia Militar e Polícia Civil, nenhuma das quais organizada para cumprir o ciclo completo. A inteligência não funciona com fragmentação. Se você não tem uma polícia capaz de promover o ciclo completo, você não consegue investir em inteligência. Então, inteligência é criar um paradigma federal de atuação com organizações criminosas que faça o ciclo completo no âmbito civil. Aí sim você vai estar indicando um caminho de reorganização do sistema de segurança nacional.

CC: Falando um pouco de economia, o PT está prevendo uma retomada emergencial do crescimento. Qual o caminho dessa retomada dessa economia emergencial? O que vocês estão planejando?
FH: A revogação da PEC do teto é o primeiro passo. Já fizemos todo o levantamento de obras paradas, vamos analisar agora o caso concreto porque precisamos ver o que gera mais emprego por real investido. Teremos que fazer uma análise parametrizada desses indicadores. E o que que gera mais retorno em termos de emprego.

CC:Tem ideia de quais são esses setores?
FH: A Miriam Belchior que está liderando o processo de avaliação. Já temos o acervo completo de obras e daqui até o final do ano vamos fazer a definição do que vai ser retomado imediatamente. Temos uma política de joint venture (aliança entre empresas para atingir um objetivo comercial comum), Parcerias Público-Privadas e concessões, que também alavancam os investimentos, mas nós queremos fazer duas coisas imediatas: desonerar o imposto de renda à população que ganha até cinco salários mínimos, isso vai dar uma boa injeção na economia, e a questão do crédito. Criar linhas de crédito para tirar os brasileiros que estão como cadastro negativo, reinserindo eles no mercado de consumo de massa. Nós vamos do micro ao macro.

CC:  Em termos de reforma tributária, qual o melhor caminho?

Nossa ideia é promover a transição com duas garantias. Vamos garantir ao Congresso que não pretendemos aumentar a carga tributária líquida durante a transição, dar segurança ao Congresso. E que os entes federais não perderão receita real, receita em termos reais. Com essas duas travas o Congresso vai se sentir encorajado em promover a transição do modelo porque essas são as duas preocupações: qual é o estado e o município que vai perder e vai aumentar a carga? Nós vamos dar garantias formais que isso não vai acontecer.

Então a gente começa a transitar dos tributos ruins com um tributo sobre valor agregado, que é um tributo racional. Vai ser uma migração decidida no dia, mas de efeitos diferidos no tempo. Ela não pode ser uma transição operada em um ou dois anos. Ela tem que ser diferida no tempo para que aquela duas garantidas possam sobreviver à transição. Com essa garantia a gente consegue ir aumentando os impostos sobre renda e patrimônio a medida que diminui o imposto sobre o consumo, sobretudo dos bens essenciais. E a partir desse mecanismo, você torna o sistema tributário mais racional e menos regressivo. Isso é feito imediatamente, mas a operação disso é mais ampla. Mas a aprovação é imediata.

CC: Tributação por lucros e dividendos, tributação sobre grandes fortunas, qual o caminho?
FH: Lucros e dividendos está previsto evidentemente, mas também o impulsor progressivo sobre a herança. Nós vamos trabalhar com a carga tributária nacional, não só com a federal.

CC: E sua proposta de municipalizar a Cide, o tributo sobre o combustível, está contemplada no programa de governo do PT?
FH: Sim e seria destinado para subsidiar a tarifa do transporte público. É uma especie de subsídio cruzado: o transporte individual motorizado subsidia o transporte motorizado coletivo.

Não perderemos o caráter regulatório do Cide. Nós incluiremos uma alíquota fixa para os prefeitos. Seria uma autorização para que os prefeitos fixar uma alíquota fixa.

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