Política

Moro desiste de investigar blogueiro

Após a repercussão negativa, o juiz tenta minimizar as críticas pela condução coercitiva de Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania

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Pressionado pela repercussão negativa do episódio, o juiz Sergio Moro voltou atrás e decidiu não investigar Eduardo Guimarães, autor do “Blog da Cidadania”, pelo vazamento de informações da Operação Lava Jato. Em despacho na quinta-feira 23, o magistrado determinou: “Deve a investigação prosseguir em relação às condutas de violação do sigilo funcional pelo agente público envolvido. Deve ser excluído do processo e do resultado das quebras de sigilo de dados, sigilo telemático e de busca e apreensão, isso em endereços eletrônicos e nos endereços de Carlos Eduardo Cairo Guimarães”.

Na terça-feira 21, Guimarães foi conduzido coercitivamente à Superintendência da Polícia Federal em São Paulo por determinação de Moro. Seu depoimento foi tomado sem a presença dos advogados de defesa. O blogueiro permaneceria retido por cerca de cinco horas. A ação visava identificar a fonte de uma informação publicada no “Blog da Cidadania”, que antecipou a condução coercitiva do ex-presidente Lula em março do ano passado. A força-tarefa sabia de antemão quem havia vazado a história a jornalistas: uma auditora da Receita Federal.

Moro não perdeu, porém, a oportunidade para estocar Guimarães, um desafeto. Como se fosse uma ofensa, e contra interpretação consagrada pelo Supremo Tribunal Federal, fez questão de frisar o fato de o blogueiro não ser um jornalista profissional. Anotou o magistrado: “Em conduta também distante ao profissional do jornalismo, revelou, de pronto, ao ser indagado pela autoridade policial e sem qualquer espécie de coação, quem seria a sua fonte de informação acerca da quebra do sigilo fiscal de Luiz Inácio Lula da Silva e associados. Um verdadeiro jornalista não revelaria jamais sua fonte”.

A estranheza do comportamento do juiz não foi sanada por essa observação. Moro usou o aparato estatal para constranger um desafeto, atitude condenada por advogados e juristas ouvidos pelo site Justificando, parceiro de CartaCapital. O blogueiro fez uma representação contra o magistrado no Conselho Nacional de Justiça. O juiz, por sua vez, é parte de um processo por calúnia e ameaça contra Guimarães. Há, portanto, um interesse pessoal de Moro no episódio.

Por fim, o juiz acusou o blogueiro de ter repassado as informações com antecedência para assessores de Lula antes da operação que tentou conduzir coercitivamente o ex-presidente a Curitiba em março do ano passado.

Relembre o caso

Defensor da ampla divulgação de fatos contra políticos investigados na Operação Lava Jato, fruto da sua peculiar interpretação da Mani Pulite italiana, Moro determinou a condução coercitiva de Eduardo Guimarães, autor do Blog da Cidadania, em inquérito que apura o suposto vazamento de informações da 24ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada em março de 2016.

Guimarães antecipou informações sobre a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que serviu de alerta para mobilizar a militância em sua defesa. À época, o Ministério Público Federal reclamou e disse que o fato seria investigado, embora jornalistas de veículos tradicionais tenham no mesmo dia antecipado informações a respeito. Os vazamentos são práticas recorrentes desde o início da operação.

Além da condução coercitiva de Guimarães para prestar depoimento na Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, Moro expediu um mandado de busca e apreensão na casa do jornalista. Computadores e celulares foram confiscados. Com isso, o blogueiro ficou incomunicável por várias horas, relata o advogado Fernando Hideo Lacerda.“Ele sequer conseguiu avisar seus defensores. Permitiram um telefonema para número fixo, mas ainda não havia ninguém no escritório naquele horário”.

Lacerda queixa-se de uma “série de arbitrariedades” na decisão judicial e em sua execução. “Em primeiro lugar, não faz sentido conduzir coercitivamente alguém que não foi chamado a depor anteriormente e jamais se recusou a prestar esclarecimentos. Segundo ponto: iniciaram o depoimento sem a presença de seu advogado. Além disso, confiscaram celulares e computadores com o claro objetivo de identificar a fonte das informações do jornalista. Por fim, Moro é suspeito para determinar tal medida contra ele, pois ambos possuem contendas na Justiça”.

Em fevereiro, Guimarães foi intimado a depor em outra investigação, sobre supostas ameaças feitas a Moro nas redes sociais. No Twitter, ele chamou o magistrado de psicopata e disse, dirigindo-se aos leitores, que os “delírios” do juiz “vão custar seu emprego, sua vida”.

Antes disso, em maio de 2015, Guimarães protocolou no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma representação contra o juiz Sergio Moro, questionando a prisão temporária de Marice Corrêa Lima, cunhada do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, bem como a “execração pública da sua imagem nos meios de comunicação de massa”.

Violação do sigilo de fonte

Em uma audiência por videoconferência realizada nesta terça-feira 21 com Moro, o deputado federal Paulo Teixeira, do PT, arrolado como testemunha de Branislav Kontic, ex-assessor de Antonio Palocci, perguntou ao magistrado sobre a condução coercitiva de Guimarães.

“O juiz Moro disse que ele não é jornalista, mas eu respondi que o fato de ele não se jornalista não o impede de exercer o jornalismo”, afirmou o deputado em um vídeo publicado no Facebook. “Acho grave que estejam investigando a fonte do Eduardo Guimarães. É uma restrição à liberdade de imprensa, é censura, é uma tentativa de constranger aqueles que questionam a postura do Judiciário”, emendou o parlamentar.

Em nota divulgada na tarde desta terça-feira 14, a assessoria de imprensa da Justiça Federal do Paraná qualifica o Blog da Cidadania como “veículo de propaganda política, ilustrado pela informação em destaque de que o titular seria candidato a vereador pelo PCdoB pela a cidade de São Paulo”. E acrescenta: Não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo. A proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma”.

A defesa de Guimarães repudiou a nota da Justiça paranaense, que, “de maneira autoritária e contrariando o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, pretende definir quem é ou não jornalista de acordo com juízos de valor”. O advogado Hideo Lacerda emenda: Hideo Lacerda “Condicionar a qualificação de ‘informação jornalística’ ao conteúdo das manifestações não tem outro nome: é censura”.

Em decisão proferida em 5 de outubro de 2015, em um processo que pedia a remoção de uma reportagem de um site, o ministro Celso de Mello, do STF, ressaltou que o sigilo de fonte é meio essencial de plena realização do direito constitucional de informar, “revelando-se oponível, por isso mesmo, em razão de sua extração eminentemente constitucional, a qualquer pessoa e, também, a quaisquer órgãos, agentes ou autoridades do Poder Público, inclusive do Poder Judiciário, não importando a esfera em que se situe a atuação institucional dos agentes estatais interessados”.

Moro já destacou “utilidade de vazamentos”

Apesar de investigar o blogueiro por antecipar a condução coercitiva de Lula, Moro mais de uma vez defendeu os vazamentos como arma a favor das investigações. Em seu artigo “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”, que analisa a operação italiana Mãos Limpas, inspiração para a Lava Jato, o magistrado destacou a utilidade dos vazamentos à mídia por manterem o interesse público elevado.

“A investigação da Mani Pulite vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes eram veiculados no L’Expresso, no La Repubblica e outros jornais e revistas simpatizantes. Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil.  O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva.”

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