MP que criou programa habitacional para policiais é inconstitucional e oportunista, diz especialista

Ao contrário do que determina a Constituição, governo de Jair Bolsonaro não demonstrou a 'urgência' da iniciativa, que deveria ter virado PL

O presidente Jair Bolsonaro no lançamento do programa Habite Seguro. Foto: Alan Santos/PR

Apoie Siga-nos no

O governo de Jair Bolsonaro anunciou na última segunda-feira 13 um programa habitacional exclusivamente para profissionais da segurança pública. Trata-se do Habite Seguro, cujo lançamento foi adiado algumas vezes e se confirmou uma semana depois do 7 de Setembro. Ele oferece condições especiais para a aquisição de imóveis.

O Habite Seguro oferece condições especiais para a aquisição de imóveis a um dos setores que Bolsonaro tenta atrair para a órbita de seu governo: as polícias militares. Serão contemplados profissionais com renda mensal de até 7 mil reais, que não ainda possuam casa própria e que optem por um imóvel avaliado em até 300 mil reais.

 

 

A proposta beneficia policiais, bombeiros, agentes penitenciários, peritos, papiloscopistas e guardas municipais.


Esse programa receberá, em seu primeiro ano, um aporte de 100 milhões de reais, provenientes do Fundo Nacional de Segurança Pública. De acordo com o Ministério da Justiça, o fundo “tem o objetivo de apoiar projetos na área de segurança pública e prevenção à violência, enquadrados nas diretrizes do plano de segurança pública do governo federal”.

A pasta afirma que o FNSP “apoia projetos na área de segurança pública destinados a reequipamento, treinamento e qualificação das polícias civis e militares, corpos de bombeiros militares e guardas municipais; sistemas de informações, de inteligência e investigação, bem como de estatísticas policiais; estruturação e modernização da polícia técnica e científica; programas de polícia comunitária e programas de prevenção ao delito e à violência, dentre outros”.

A criação do Habite Seguro se deu por meio de medida provisória. O artigo 62 da Constituição Federal estabelece que as MPs podem ser adotadas pelo presidente da República “em caso de relevância e urgência”. A seguir, devem ser encaminhadas ao Congresso Nacional. As medidas perdem os efeitos quando não são convertidas em lei pelo Poder Legislativo em até 120 dias.

Para Marcelo Válio, especialista em Direito Constitucional pela ESDC e pós-doutor em Direito pela Universidade de Messina, na Itália, a Lei 13.756/18, que dispõe sobre o FNSP, autoriza a destinação de 10% a 15% de recursos para programas habitacionais. A forma escolhida pelo governo para criar o Habite Seguro, porém, não encontra respaldo legal.

“O instrumento jurídico utilizado não foi o correto juridicamente. Não poderia o presidente da República se utilizar deste instrumento normativo [medida provisória], pois ele só pode ser utilizado em caso de relevância e urgência”, disse Válio a CartaCapital. Em vez de uma MP, o governo deveria ter apresentado um projeto de lei.

“Ademais, a Constituição Federal veda a utilização deste tipo de norma jurídica para fins de diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares. Assim, trata-se de uma medida provisória inconstitucional e com fins oportunistas e político-partidários”, completou o especialista.

Segundo o governo, a nova modalidade de financiamento estará disponível nas agências da Caixa Econômica Federal em aproximadamente 40 dias.

 

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

0 comentário

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

 

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.