Política

O agronegócio e agricultura familiar são complementares e necessários

A finitude me chega sem que eu tenha conseguido esclarecer que esses segmentos não devem ser vistos em contraposição

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Se há uma certeza em 40 anos de trabalho, tantos textos publicados, palestras e os deliciosos e sábios bate-papos com produtores, em meio a churrascos, peixadas, cevadas e canas.

É que a finitude me chega sem que eu tenha conseguido esclarecer que agronegócio, agricultura empresarial, familiar, assentamentos da reforma agrária, são segmentos que não devem ser vistos em contraposição, mas complementares e necessários.

Não importa se há séculos erramos de um jeito e em décadas mais recentes erramos de outro. É um passado impossível de corrigir, condicionado pelas formas como se desenvolveu o consumo no planeta, que a sociedade soube rearranjar de forma autóctone. Caberá às gerações futuras coloca-las em faixas inovadoras.

Essa impressão é confirmada na opinativa internet. Antes, talvez, eu tratava apenas com “iguais”. Agora, percebo um público direto, seco. Não que me pesem opiniões negativas ou deseducados, mais incomodam aproximações maniqueístas, como se não houvessem diferenças entre os tipos de cultivos e criações e suas dimensões diante do consumo mundial.

Se anuncio os benefícios da exportação de commodities como certeira opção para o Brasil, salvação da balança comercial e empregos, alguém virá com bens primários que nada agregam, devastações ambientais, concentração fundiária, êxodo rural.

Se peço mais apoio do governo à agricultura familiar, pelos benefícios às segurança alimentar e inserção social, que amenizariam os males acima citados, ruralistas apontam falácias e negam as estatísticas.

Se afirmo a excelência de certos assentamentos, originados de reforma agrária em terras improdutivas, organizados pelo MST, respondem com a volta do comunismo, comércio de lotes, vagabundos sustentados pelo Bolsa Família.

Se escrevo sobre as dificuldades de recursos e competência dos órgãos do governo em coadunar as besteiras de titulação na colonização em terras indígenas, dizem que índio não quer mais apito, mas celular e cachaça. Quando não os assassinam.

Senhores, a agropecuária é um trecho do agronegócio. Precisamos aprender a separar joio e trigo. Coisas a superar e a suprimir. Contrapô-los é um equívoco.

Nas duas últimas semanas, voltei às Andanças Capitais e sofri dois desastres aéreos. Em terra, claro. “Condições meteorológicas”, dizem eles. Acredito e respeito, até porque dá para se ver, ainda que a expressão possa ter outros significados: otimização do número de passageiros, rotas de menores custos, troca de tripulações.

Vai saber se a Maria Alice, que estava em Manaus, não queria muito voar com seu marido Gustavo, que logo partiria de Guararapes para Confins. “Quero contar pessoalmente que ele será papai”.

As minhas conturbadas chegadas ao Triângulo Mineiro – vai-se colher muito café – e a um inédito Vale do São Francisco chuvoso, reforçaram minha previsão de mais um bom ano agrícola.

Em Petrolina, visito a “Seiva do Vale” e encontro amigos e profissionalismo por parte dos proprietários, Aldemir e Claudiana, e do time técnico-comercial: Leandro, Daniel, Hélder, Onailton, Marcos Solone, e um grupo de meninas de tirar todos os chapéus. Amigos mesmo, por idade, simpatia ou beleza. Escolham.

No Bodódromo, brindamos com rins de bodes espetados em nossos garfos. No “Panela de Barro”, revi o sempre citado amigo Nego, que é branco, Antônio e paraense.

Fiquei sabendo da evolução produtiva de vários assentamentos. Lotes pequenos, como gostam os leitores saudosos de Francisco Julião, Gondim da Fonseca, Vitor Nunes Leal, Miguel Arraes.

Produtivos e sustentáveis, caros “coxas bombadas paulistanas”. Soja, cana? Não, uvas, melões, goiabas, mangas, acerolas, bananas, cebolas, tomates. Produtos apreciados mesmo em terras tucanas.

Como? Não? Ah, só na forma de espumas preparadas por renomados chefs.

Menos exigentes, à beira do Velho Chico, os produtores de melancias estão contentes. Recebem R$ 0,45/kg da fruta. Quanto pagamos no Sul Maravilha pela espuma de melancia. Quem anda bebendo demais? Vocês ou os produtores?

Assentamento Ouro Verde, em Lagoa Grande. Folhas e telas cotidianas do apocalipse já o mencionaram? Lá, mais de cem famílias, com lotes de 6 hectares, produzem uvas de mesa. As mulheres recebem R$ 3 mil a título de custeio e para os homens R$ 6 mil (feministas, não reclamem, falo de famílias trabalhadoras).

Fazenda antiga, abandonada depois de ficar devendo muito aos bancos, foi desapropriada pelo governo para efeito de reforma agrária. No início houve desvios, identificados e corrigidos pelo INCRA. Hoje, ficaram apenas as famílias dispostas a produzir.

Entre vendas e compras da terra, uma fazenda do notório e falecido Antônio Carlos Magalhães foi devolvida. Virou o assentamento Catalunha, com 600 famílias. Há um ano, os novos proprietários criaram uma Associação para construção de uma sede, obter irrigação, assistência técnica e apoio financeiro dos bancos do Brasil e Nordeste.

Ih, o texto está ficando muito longo. Dizem que na internet ninguém tem saco para ler textos assim (imagina livros, né Márcio Alemão?).

 

 

 

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