Nos últimos meses, a mídia tem feito de suspeitas de corrupção da Lava Jato um objeto de prioritária atenção. Quaisquer diligências, apreensões, suposições e possíveis provas são veiculadas de pronto, com feições de escândalo.
Inegavelmente a Operação Lava Jato é uma das mais relevantes dos últimos anos, apontando para condutas criminosas em quase todos os rincões da Republica.
Para que os louváveis esforços das autoridades não sejam em vão é necessário, contudo, manter-se o respeito aos ditames legais em todas as suas operações, sob pena de atentar contra os direitos dos réus, o que poderia invalidar as investigações.
Prisões preventivas com o propósito — não declarado — de se obter delações premiadas são indiscutivelmente as medidas de legitimidade mais duvidosa.
Há de se adotar ainda cautela com outras medidas. Tome-se como exemplo as missivas do Ministério Público Federal à Suíça, em busca de valores que teriam sido originados de transações com a Petrobras.
Parece-me haver motivos para preocupação. Para que um procedimento investigatório se dê em coerência com a Constituição brasileira, é fundamental que se observe com cuidado os direitos dos investigados. Garantir de maneira conservadora esses direitos dos investigados é o único meio de possibilitar uma decisão condenatória consistente — caso fique provado nos autos os requisitos para tanto. É o que chamamos de observância ao devido processo legal.
Ofendido o procedimento regular de investigação, falha o Estado em sua intenção punitiva, fica impossibilitada a punição dos acusados e à sociedade restaria a sensação de impunidade. E isso pode estar ocorrendo na Operação Lava Jato.
A coleta de documentos na Suíça exige o cumprimento de procedimentos previstos em acordo de cooperação do Brasil com aquele país, cujos termos precisam ser aplicados, ainda, segundo os preceitos fundamentais da Constituição brasileira.
Pelo acordo internacional, a coleta de elementos probatórios no exterior (Suíça) deve ser requerida por um órgão central, no caso o Ministério da Justiça. Dessa forma o país estrangeiro certifica-se que a solicitação de informações é legítima para a investigação em curso. Esse procedimento regular para a cooperação, entretanto, não teria sido empregado.
Aliás, pelo que se noticia, sequer a representação do Ministério Publico Federal é feita por seu chefe, o Procurador Geral da Republica.
É igualmente espantoso o volume de dados alegadamente obtidos no exterior publicados na grande mídia. Neste caso, há duas alternativas: ou são informações inventadas, para se dar força a notícias ruidosas, ou há o vazamento de informações sigilosas, em mais uma ofensa ao processo legal. Note-se que no vazamento de informações sigilosas o ilícito não é da imprensa, mas do agente público responsável por guardá-las.
Não há dúvida que a imprensa tem um papel importante a exercer na democracia e no controle das atividades públicas. E destacar a busca por corruptos e corruptores importa para a sociedade, afinal é a gestão do interesse e os recursos públicos que está em jogo.
Mas na busca desenfreada por avançar a qualquer custo nas investigações, bem como trazer a público tudo o que chame a atenção, falham os agentes de Estado no seu papel de garantir um procedimento regular, ao final do qual deveriam ser condenados apenas aqueles que de fato tenham cometido ilicitudes.
Acaba-se, ao invés disso, por se compor um tribunal de praça, em que as instituições públicas e os veículos de imprensa conduzem o processo como desejam. Como resultado, os supostamente envolvidos acabam sendo julgados e punidos pelas mídias sociais.
É para cumprir bem suas funções que, mesmo diante da compulsão pela punição, os agentes de investigação devem proceder de forma objetiva e regrada, observando os direitos dos investigados, para então garantir a eventual condenação daqueles que assim merecerem.
A condução do procedimento segundo uma posição diligente e conservadora, observando os direitos dos envolvidos, tal como se espera de um Estado Democrático de Direito, é a única maneira pela qual a sociedade poderá vir a ter resposta que espera.