PolĂ­tica

Políticos pagam campanha antiaborto no Facebook e Instagram às vésperas de decisão no STF

Ao todo, anĂșncios foram exibidos pelo menos 2,2 milhĂ”es de vezes para usuĂĄrios das redes

Foto: redes sociais /Shutterstock
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* Por Bruno Fonseca, Mariama Correia

A imagem da bandeira do Brasil, por cima, a faixa com Ordem e Progresso substituĂ­da pelo lema “Brasil sem aborto”. Talvez, vocĂȘ tenha visto essa montagem nos Ășltimos dias no Facebook ou no Instagram. O motivo: polĂ­ticos e veĂ­culos de mĂ­dia conservadores estĂŁo impulsionado campanhas antiaborto Ă s vĂ©speras do Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a descriminalização da interrupção da gravidez. O plenĂĄrio virtual serĂĄ aberto nesta sexta-feira (22).

Segundo levantamento da AgĂȘncia PĂșblica, polĂ­ticos, partidos como o Republicanos — que Ă© ligado Ă  Igreja Universal do Reino de Deus —, influenciadores e grupos de mĂ­dia conservadores tĂȘm apostado em anĂșncios contra a descriminalização do aborto nas redes do Meta no mĂȘs de setembro. A reportagem encontrou quase R$ 10 mil pagos pelos 15 perfis que fizeram os anĂșncios sobre o tema com maior alcance no mĂȘs. No total, esses anĂșncios foram exibidos mais de 2 milhĂ”es de vezes atĂ© o momento.

Um dos anĂșncios contra o aborto pagos em setembro foi o do vereador pelo Republicanos em Sorocaba, o pastor Luis Santos

PolĂ­ticos conservadores e Brasil Paralelo lideram anĂșncios sobre aborto

O campeĂŁo em anĂșncios no perĂ­odo foi o deputado estadual Renato Antunes, do PL de Pernambuco. O polĂ­tico pagou mais de R$ 3,8 mil para impulsionar uma sĂ©rie de postagens em setembro. As peças tiveram mais de 460 mil exibiçÔes nas redes, a maior parte para perfis de homens do estado de Pernambuco.

No texto, o deputado chama a “tentativa do STF de pautar esse debate” como “mais uma tentativa de agressĂŁo ao direito Ă  vida”. O polĂ­tico defende que o Congresso deveria decidir sobre o assunto. Antunes estava no grupo de parlamentares que tentaram impedir o aborto legal de uma menina de 10 anos, no hospital Cisam, no Recife, em 2020. Na ocasiĂŁo, grupos conservadores antiaborto se reuniram na porta do hospital para fazer protestos e oraçÔes. O deputado, na Ă©poca vereador, nĂŁo apenas participou do protesto e gravou vĂ­deos, como assinou uma nota conjunta com parlamentares conservadores.

Antunes tĂȘm levado o julgamento da descriminalização do aborto no STF para a pauta da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Na reuniĂŁo ordinĂĄria do Ășltimo dia 13, ele discursou na Tribuna da Casa criticando a atuação do Supremo e pedindo a ação do Congresso Nacional no caso. “Fica meu apelo pra que o Congresso nĂŁo permita o ativismo judicial. NĂŁo podemos levar decisĂ”es tĂŁo importantes para um colegiado de 11 ministros e ministras, que na verdade nĂŁo foram eleitos de forma democrĂĄtica”.

O deputado estadual Renato Antunes, do PL de Pernambuco, estava entre os polĂ­ticos que tentaram impedir o aborto legal de uma menina de 10 anos em 2020

Em seguida, estĂŁo os anĂșncios da Brasil Paralelo — grupo de mĂ­dia conservador que jĂĄ Ă© um conhecido anunciante do Meta. A empresa pagou pelo menos R$ 2 mil impulsionando uma sĂ©rie de propagandas do seu curso online sobre aborto.

Em uma das peças, a empresa diz que diante “desse assunto polĂȘmico” e da decisĂŁo da ministra Rosa Weber de pautar o julgamento no STF, a Brasil Paralelo decidiu liberar gratuitamente a aula inaugural do curso “Aborto: quem Ă© a verdadeira vĂ­tima?”. Na propaganda, a empresa anuncia que a aula irĂĄ tratar, dentre outros assuntos, das consequĂȘncias da “legalização” e dos efeitos na saĂșde fĂ­sica e mental da mulher que aborta. A aula Ă© realizada por um homem, Marcus Vinicius Lins, que se identifica como advogado.

A Brasil Paralelo Ă© a recordista em anĂșncios no Facebook e Instagram — a empresa jĂĄ pagou mais de R$ 20 milhĂ”es desde que os gastos foram revelados, em agosto de 2020. O valor estĂĄ acima atĂ© mesmo dos gastos do Governo Federal e de campanhas eleitorais, como a de Jair Bolsonaro em 2022, que pagou R$ 2,7 milhĂ”es.

O terceiro perfil que fez os anĂșncios mais caros no perĂ­odo envolvendo o tema aborto foi o deputado federal Lucio Antonio Mosquini, do MDB de RondĂŽnia. Ele pagou ao menos R$ 1 mil para impulsionar um vĂ­deo que nĂŁo trata diretamente do julgamento no STF, mas no qual se diz contra “drogas, aborto e sexualização de crianças”. A peça teve mais de 750 mil visualizaçÔes, a maior parte de perfis de mulheres jovens, com 18 a 24 anos, que se conectaram Ă  internet no estado de RondĂŽnia.

No vĂ­deo, o polĂ­tico critica a Resolução nÂș 715, do Conselho Nacional de SaĂșde, de julho deste ano. O documento traz orientaçÔes para formular o Plano Plurianual e o Plano Nacional de SaĂșde. Um dos pontos da Resolução que se tornou alvo de crĂ­ticas de grupos conservadores Ă© justamente o trecho que cita o aborto, a diretriz 49, que prevĂȘ “intersetorialidade nas açÔes de saĂșde para o combate Ă s desigualdades estruturais e histĂłricas, com a ampliação de polĂ­ticas sociais e de transferĂȘncia de renda, com a legalização do aborto e a legalização da maconha no Brasil”.

Mosquini se apresenta como um parlamentar cristĂŁo. Ele Ă© signatĂĄrio das frentes Parlamentar Mista contra o Aborto e em Defesa da Vida e Parlamentar em Defesa da Vida e da FamĂ­lia. No fim do mĂȘs de agosto, deputados dessas duas frentes fizeram uma ação coordenada para cancelar uma palestra sobre aborto legal na Defensoria PĂșblica da UniĂŁo, no Distrito Federal.

Deputado federal Lucio Antonio Mosquini, do MDB de Rondînia, pagou ao menos R$ 1 mil para impulsionar vídeo contra “drogas, aborto e sexualização de crianças”

Partido Republicanos publicou anĂșncio antiaborto com nome de Damares

AlĂ©m de perfis de polĂ­ticos, a PĂșblica tambĂ©m encontrou anĂșncios do Republicanos. Desde o dia 20 de setembro, o partido começou a impulsionar uma peça na qual afirma ser “contra o aborto” e que defenderĂŁo a vida desde a concepção “com todas as nossas forças”. O partido diz explicitamente que “o STF nĂŁo pode legislar sobre o aborto”, citando a decisĂŁo de Rosa Weber de pautar o julgamento. O partido afirma estar se mobilizando no Congresso Nacional “para impedir que decisĂ”es como essas prosperem”.

Os dados do Meta mostram um investimento de mais de R$ 100 em um período de menos de 24 horas — o valor deve crescer, visto que a campanha continua ativa. Na tarde do dia 21 de setembro, a peça já havia sido exibida mais de 35 mil vezes.

A campanha do Republicanos é assinada pelos seguintes políticos do partido: Diego Garcia, deputado federal pelo Paranå e vice-presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Família e Apoio à Vida; o deputado federal Silas Cùmara, do Amazonas, que é vice-presidente da Defesa da Liberdade Religiosa e presidente da Frente Parlamentar Evangélica; a senadora pelo Distrito Federal e ex-ministra de Bolsonaro Damares Alves; o senador de Roraima Mecias de Jesus; o deputado federal pelo Distrito Federal Paulo Fernando e o deputado federal pelo Espírito Santo Messias Donato.

Partido Republicanos pagou anĂșncio em postagem contra o aborto. No texto, o partido cita Damares e outros polĂ­ticos da sigla

O julgamento no STF

Os ministros do STF devem julgar a ADPF 442, sobre a descriminalização do aborto no Brasil até a 12° semana, entre 22 a 29 de setembro. O julgamento foi liberado pela ministra Rosa Weber, que vai se aposentar em outubro. Essa ação foi protocolada em 2017, pelo PSOL.

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