Política

Por que os partidos querem caixa 2?

Se o caixa 2 fosse só um erro não haveria motivo para anistiá-lo enquanto crime

Plenário da Câmara em setembro de 2016, quando foi barrada a primeira tentativa de anistia ao caixa 2. O que assusta os políticos?
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Se estivesse vivo, Freud talvez explicasse os porquês emocionais e racionais que fazem com que o brasileiro tenha tanto prazer em “dar um jeitinho”, e não em resolver, seus problemas. O jeitinho da vez são as movimentações políticas a favor da anistia ao caixa 2. 

Vários argumentos têm sido lançados por diversos políticos hoje eleitos (cujo coro é engrossado por ex-ocupantes de cargos públicos e até por ministro do STF), para a absolvição daqueles partidos, quase todos, que praticaram a captação de recursos não declarados à Justiça Eleitoral, o popular caixa 2. Vejamos alguns: 

1) Um argumento recorrente para a anistia ao crime de caixa 2 é o de que ele decorre do sistema político-eleitoral brasileiro. Isso quer dizer, portanto, que se o sistema é ruim, ele justifica ações ilegais dos agentes.

Esse argumento é tão grotesco quanto os homens que cometem agressões contra as mulheres e as culpam por isso: o ator do fato, o culpado, transfere ao outro a responsabilidade da ação, como se a mão que agride respondesse a um impulso externo, e não à sua própria vontade. 

2) Outro argumento é ser o caixa 2 um fato da história, que sempre esteve presente na cultura política brasileira. A substância desse argumento é a naturalização/normalização das coisas erradas, cujo sentido não é diferente do que se tem no primeiro argumento.

Como sempre se fez errado, isso justifica continuar-se fazendo o errado. Em primeira pessoa: a culpa é do passado, e não minha, que reproduzo o erro do passado sem querer me lembrar de que é um erro, mesmo que feito desde antes. Não é o tempo que deveria importar, mas o erro. 

3) Por fim, um último argumento é o de que o caixa 2 para partidos é diferente de corrupção para a obtenção de vantagens privadas, sejam estas pessoais ou empresariais. Assim, caixa 2 não precisa ser considerado crime, mas um delito/erro, que deve ser mais brando do que o crime de corrupção.

Tudo bem que sejam coisas diferentes; mas ser diferente não pode significar nem que caixa 2 não seja crime e nem que seja um erro mais brando do que a corrupção. A corrupção só é um crime porque é um erro; se o caixa 2 é um erro, por que anistiá-lo, de forma casuísta, enquanto crime? 

Este último argumento abre espaço para a pergunta que não se faz: se a corrupção serve para trazer vantagens pessoais ou empresariais, para que serve o caixa 2? Ou melhor, para que os partidos desejam recursos não declarados (caixa 2)?

Querem nos fazer crer que é para deixar confidencial o doador, que assim prefere estar a correr o risco de sofrer represálias, caso também não seja doador do partido vencedor. Argumento absurdo, pois 1) quais são as represálias possíveis?

Em tese, nenhum governo deve governar um país em prol de um doador; 2) os maiores doadores doam para todos os partidos, pois importa menos o partido e mais o que o partido oferecerá em troca; 3) caso se queira confidencialidade, basta, ao invés de se anistiar o caixa 2, criar-se um sistema de doação sigiloso via Justiça Eleitoral, que fiscalizaria as contas partidárias. 

Não há justificativa cabível ao caixa 2. Logo, retomemos a pergunta que não se cala: para que os partidos querem caixa 2? 

A resposta é óbvia, pois sem origem declarada, o destino do recurso também não precisa ser legal e, assim, o caixa 2 permite que se faça abuso de poder econômico, principalmente nas eleições. Em um caso extremo, que não duvidemos que aconteça, o recurso ilegal pode inclusive comprar votos.

Logo, quanto mais caixa 2 recebe um partido, mais poderoso ele é nas eleições e menos democrática é nossa democracia. Menos mal seria se os políticos propusessem que a anistia ao caixa 2 seria a segunda redemocratização do país nos últimos 35 anos. Mas, não é isso que eles querem. É apenas um jeitinho de eles se salvarem e tudo permanecer como está, afinal, é o mesmo Brasil de sempre.   

*Fábio Terra é professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia

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