Política

Reforma política: A lista fechada voltou, mas por quê?

Pressionados pela Lava Jato, Planalto e Congresso correm para aprovar mudanças no sistema eleitoral a ser usado em 2018

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Como ocorre em qualquer crise brasileira, a atual ensejou uma discussão a respeito da “reforma política”. Termo pouco preciso que geralmente designa mudanças no sistema eleitoral, a reforma política costuma ser apresentada como uma panaceia para problemas crônicos da política nacional, como os altos custos, a baixa representatividade e a corrupção. Desta vez, em meio à cada vez maior pressão da Operação Lava Jato, Planalto, Câmara e Senado parecem dispostos a acelerar as mudanças, sem muitos debates profundos, ao estilo do governo Michel Temer.

O tema da moda é o voto em lista fechada, por meio do qual os eleitores deixariam de escolher os candidatos nominalmente para votar em uma lista de candidatos pré-ordenada pelos partidos políticos.

O voto em lista no lugar do voto nominal foi, nos últimos anos, uma proposta defendida pelo PT e por setores progressistas. Os eventuais pontos positivos do modelo seriam baratear a campanha, reduzir o número de legendas no Congresso e fortalecer os partidos, à medida que tornaria a política menos personalista e mais uma obra coletiva a ser liderada pelos partidos. A proposta nunca prosperou, no entanto.

Agora, às vésperas da divulgação das delações premiadas de executivos e ex-executivos da Odebrecht, a lista fechada ressuscitou. A obra é do Palácio do Planalto e de seus aliados no Congresso e na Justiça Eleitoral. No dia 15 de março, Temer recebeu Rodrigo Maia (DEM-RJ), Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Gilmar Mendes, presidentes da Câmara, do Senado e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), respectivamente, e os três deixaram a reunião defendendo a lista fechada.

Dias depois, em entrevista à GloboNews, Temer tentou se distanciar da ideia. Disse “não ter muita simpatia” por essa proposta, mas sim pelo distritão, um sistema usado no Afeganistão bancado por Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em 2015, mas sem sucesso.

Deve dar força à alternativa da lista fechada o parecer de Vicente Cândido (PT-SP), relator da comissão de reforma política da Câmara, a ser apresentado em 4 de abril. Cândido defende que as eleições de 2018, 2020 e 2022 sejam realizadas com a lista fechada. Em 2026, propõe ele, o País poderia adotar o sistema misto, no qual uma parte dos eleitos seria definida pela lista fechada e outra parte por meio de votações em distritos eleitorais, a serem desenhados pela Justiça Eleitoral. 

A mesma proposta – em uma espécie de distrital misto, com um voto em legenda e outro em um deputado distrital – consta na PEC 61/2007, relatada por Valdir Raupp (PMDB-RO), que está pronta para ser votada pelo Senado. 

Fuga da Lava Jato?

A ideia da lista fechada é, entre outros motivos, contestada porque o fortalecimento dos partidos eventualmente provocado por ela implicaria também na consolidação das burocracias partidárias. Isso ocorreria, em especial, se a aprovação da lista fechada não viesse atrelada a regras para forçar a democratização dos partidos, deixando as legendas nas mãos de oligarquias.

Em um contexto no qual a classe política parece decidida a minimizar os efeitos da Lava Jato para ela própria (ao discutir temas como a anistia ao caixa 2) e no qual o governo foi, segundo o procurador-geral da República, formado para proteger uma organização criminosa, o voto em lista fechada ganhou ares de conspiração. E vem sendo denunciado por isso, à direita e à esquerda. 

“Isso viria no intuito de amanhã poder acobertar parlamentares que não teriam a condição de poder enfrentar a sociedade, os seus eleitores e pedir o voto”, disse o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO). No domingo 26, durante os mirrados protestos a favor da Lava Jato, puxados por grupos favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff, o voto em lista fechada também foi criticado.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) afirmou que a adoção da lista fechada da forma rápida como o processo está tramitando “soa” como um “abrigo para caciques políticos” investigados. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi mais explícito e disse ver a ideia, se aplicada agora, como “um golpe”. “Isso só está ocorrendo por conta das investigações que estão em curso, que está deixando a maioria dos políticos na berlinda”, disse.

Também o PSDB criticou a ideia. Tradicionalmente contrários ao voto em lista fechada, que os prejudicariam nas urnas, devido à pouca força da legenda para além de seus caciques, os tucanos apelaram ao argumento ético.“Isso é uma lei que tem como objetivo evitar que a Lava-Jato vá adiante”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Não dá para aprovar nada que tenha cheiro de impunidade”, afirmou.

O que parece certo é que a população não será ouvida neste processo, uma vez que, para valer para 2018, as mudanças precisam ser aprovadas até setembro. E, como afirmou a CartaCapital Luis Felipe Miguel, cientista político da Universidade de Brasília, “uma reforma política séria não é só eleitoral, é muito mais ampla, e tem que ser discutida para além da elite política estabelecida“. 

A seriedade não é, entretanto, uma característica dos tempos atuais. Em recente jantar na casa de Gilmar Mendes em homenagem ao senador José Serra (PSDB-SP), o festejado sugeriu retirar o sistema eleitoral da Constituição e prometeu apresentar uma PEC sobre o assunto.

Dessa forma, as alterações poderiam ser feitas de forma mais simples, sem precisar de grande maioria no Congresso. Proposta bem diferente da de Dilma Rousseff, que em 2013 sugeriu ampliar a participação popular no tema, ao propor um plebiscito para a formação de uma constituinte sobre reforma política. Os tempos, de fato, mudaram. 

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