Política

Senado aprova impeachment e destitui Dilma

Senadores derrubam a primeira mulher a presidir o País em um processo de base jurídica frágil e questionado por ampla parcela da sociedade

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Dilma Vana Rousseff, a primeira mulher a presidir o Brasil, reeleita em outubro de 2014 com 54 milhões de votos, foi removida de forma definitiva do poder nesta quarta-feira 31 pelo Senado, que confirmou seu impeachment por 61 votos a 20, sem nenhuma abstenção. Com o resultado, que será questionado pela defesa de Dilma no Supremo Tribunal Federal (STF), Michel Temer, interino desde 12 de maio, assume a presidência da República de forma definitiva até 2018.

Ameaça Temer uma ação aberta pelo PSDB no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pede a cassação da chapa vitoriosa nas eleições de 2014. Caso o TSE casse a chapa Dilma-Temer ainda neste ano, novas eleições seriam convocadas. Se isso ocorrer a partir de 2017, um novo presidente da República seria eleito indiretamente pelo Congresso. Há dúvidas, entretanto, a respeito da vontade política da Justiça Eleitoral, hoje presidida por Gilmar Mendes, de levar adiante a ação.

A votação no Senado é o desfecho de um longo processo, cujo resultado estava definido há meses. No julgamento, em tese, os senadores avaliaram que a emissão de três decretos orçamentários sem autorização do Congresso e o atraso no repasse do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil por conta do pagamento do Plano Safra, a chamada “pedalada fiscal”, configuram crimes de responsabilidade.

Na prática, o que se viu foi um processo coberto por um verniz de legalidade, promovido pelo cumprimento das regras procedimentais previstas na Constituição, mas definido por uma batalha política na qual os vencedores buscaram um motivo qualquer para legitimar a destituição da presidenta.

O Tribunal de Contas da União (TCU), órgão ligado ao legislativo e composto majoritariamente por ex-parlamentares, desempenhou um papel central no processo. No TCU foram elencados os argumentos para legalizar a remoção de Dilma Rousseff, uma história que ainda não chegou a seu fim.

Na terça-feira 30, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) anunciou a intenção de ingressar com uma representação no Ministério Público Federal e no Conselho Nacional do Ministério Público contra o procurador junto ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, e o auditor fiscal Antônio Costa D’Ávila. Os dois foram ouvidos no primeiro dia da sessão de julgamento no Senado do processo de impeachment e D’Ávila admitiu que auxiliou Oliveira na confecção da representação contra Dilma que posteriormente ele mesmo, D’Ávila, auditou.

Eduardo Cunha, o artífice do golpe  

Enquanto o TCU forneceu os “argumentos”, o então presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi o responsável por colocar em prática o projeto de impedimento da presidenta. Eleito em 1º de fevereiro de 2015, ao derrotar o petista Arlindo Chinaglia, apoiado pelo Palácio do Planalto, Cunha foi desde o início um ferrenho opositor do governo, embora integrasse a base aliada.

Acossado pelas investigações da Operação Lava Jato, Cunha elegeu o Executivo como alvo e buscou a todo tempo encurralar Dilma Rousseff. Para muitos, tratava-se de uma estratégia para forçar o governo a interferir no trabalho do Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República.

Cunha não poupou esforços. Autorizou a abertura de CPIs contra o governo, acelerou as análises das contas de Dilma e pautou projetos de lei, bem como votações de vetos presidenciais, que implicariam no aumento de gastos do governo em um período no qual o Planalto trabalhava para aprovar um ajuste fiscal. Mais importante que as “pautas-bomba”, o peemedebista orientou os autores do pedido de impeachment a adaptar a peça acusatória às exigências burocráticas do Parlamento. 

Outro objetivo da pressão sobre o Executivo era conseguir o apoio do PT contra a sua cassação no Conselho de Ética da Câmara. Por meses, o deputado cortejou governo e oposição de forma a evitar o avanço da análise de seu caso pelo Conselho de Ética. Cunha é acusado de quebra de decoro parlamentar por mentir a respeito da existência de contas na Suíça em seu nome. O parlamentar tem ao menos 5 milhões de dólares depositados no exterior.
As ameaças do peemedebista foram públicas, mas a direção do PT decidiu não ceder à chantagem. 
Às 14 horas de 2 de dezembro de 2015, os deputados petistas Leo de Brito (AC), Zé Geraldo (PA) e Valmir Prascidelli (SP) anunciaram que votariam pela cassação de Cunha no Conselho de Ética. Quatro horas depois, o então presidente da Câmara concedeu entrevista coletiva na qual anunciava o acolhimento do pedido de impeachment assinado pelos advogados Janaína Paschoal, Miguel Reale Jr. e Helio Bicudo.

A aceitação do pedido  teve como uma de suas justificativas o significativo apoio popular à remoção de Dilma Rousseff. Durante todo o ano de 2015, com a economia em frangalhos e a enorme repercussão dos casos de corrupção envolvendo o PT na Lava Jato, Dilma enfrentou diversos protestos, os maiores deles em 15 de março, 12 de abril, 16 de agosto e 13 de dezembro de 2015.

Organizados por grupos como o Movimento Brasil Livre, o Vem Pra Rua, o Revoltados Online e grupelhos favoráveis a uma intervenção militar, as manifestações reuniram centenas de milhares que protestavam contra a corrupção e o PT. Alvos de intensa cobertura midiática, os atos serviram de pretexto para Cunha desfechar sua vingança.

A aceitação do pedido de impeachment  e a intensificação das manifestações serviram de senha para a oposição capitaneada pelo PSDB mergulhar de forma definitiva na campanha contra Dilma.

O grupo do senador mineiro Aécio Neves, que desde outubro de 2014 buscou deslegitimar a vitória eleitoral de Dilma, por meio de ações como um pedido de auditoria nas urnas eletrônicas, insistia em um desfecho célere para o processo, mas figuras como José Serra e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, resistiam . Em 10 de dezembro de 2015, oito dias depois de Cunha acolher o pedido, o PSDB, com a bênção de Fernando Henrique Cardoso, fechou posição a favor do impeachment.

 

O PMDB avança contra a Lava Jato

Com a possibilidade de formar um novo governo baseado no “centrão” fiel a Eduardo Cunha e no PSDB, agora unificado, Michel Temer vislumbrou a chance de assumir a presidência da República. Em atos considerados por Dilma como traição, afastou-se progressivamente da presidenta.

Em 7 de dezembro, Temer vazou uma carta privada a Dilma na qual revelava sua mágoa com a petista e com o núcleo duro do Planalto por ser um “vice decorativo”. Mais importante, no documento o vice deixava claro que sua prioridade dali em diante seria a unidade partidária, e não a manutenção do governo.

Por natureza dividido entre diversos caciques regionais, o PMDB divergia a respeito da possibilidade de apoiar Dilma ou fechar questão a favor do impeachment e de Michel Temer. Lideranças como Leonardo Picciani (RJ) e Jader Barbalho (PA) se mantiveram fieis à petista até o início de 2016, mas diante da onda pró-Temer mudaram de lado. Em 29 de março de 2016, por aclamação, com Cunha no papel de estrela da convenção e gritos de “fora PT” e “Temer presidente”, o PMDB abandonou oficialmente o governo Dilma.

Em maio, ficou demonstrado que o ímpeto de muitos no PMDB para derrubar Dilma tinha um único objetivo: brecar a Lava Jato. Em uma das tantas conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro Sergio Machado, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) explicitiva:. “Tem que resolver essa porra… Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria“. A conversa prosseguiu:

MACHADO: Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].

JUCÁ: Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. ‘Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha’. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.

MACHADO: É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.

JUCÁ: Com o Supremo, com tudo.

MACHADO: Com tudo, aí parava tudo.

JUCÁ: É. Delimitava onde está, pronto.

 

Governo desarticulado, Lula torpedeado

Durante todo o período de crise, ficou clara a dificuldade de articulação de Dilma e do PT, este duramente atingido pelo avanço da Lava Jato. A tentativa derradeira de salvação do governo foi a convocação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assumir a Casa Civil. O objetivo era unir a notória capacidade de articulação de Lula ao poder da “caneta”, de nomear aliados para cargos disputados em Brasília. A carta final de Dilma e do PT foi, porém, torpedeada por setores contrários a sua permanência no poder, com o apoio do juiz Sergio Moro.

Lula foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil em 16 de março, mas na noite do mesmo dia a divulgação de áudios interceptados pela Polícia Federal no âmbito da Lava Jato paralisaram o País. Gravados entre 17 de fevereiro e 16 de março, os grampos foram tornados públicos no dia da posse de Lula por Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos inquéritos da Lava Jato em primeira instância.

Entre as gravações, que traziam inclusive conversas pessoais de familiares de Lula, um áudio específico provocou imensa polêmica. Captado às 13h32 de 16 de março, depois de o próprio Sergio Moro ter determinado o fim das escutas contra o ex-presidente, o grampo trazia uma conversa entre Lula e Dilma.

 

Nela, os dois falam a respeito do “termo de posse”, documento que confirmaria a nomeação de Lula para a Casa Civil, e Dilma diz para ele ser usado só “em caso de necessidade”. O diálogo foi imediatamente interpretado como uma tentativa de Dilma de impedir uma eventual prisão de Lula, investigado na Lava Jato, e o veredito tomou as manchetes dos maiores veículos de mídia do País. Dois dias depois, em 18 de março, Gilmar Mendes suspendeu monocraticamente a posse de Lula, decisão  jamais submetida ao plenário do Supremo.

Apenas em junho, Teori Zavascki, colega de Mendes no STF e relator da Lava Jato na Corte, proferiu decisão afirmando que o áudio sobre o termo de posse foi colhido “sem abrigo judicial”.

Sem a força política de Lula, Dilma viu seu governo se desfazer. Temer, que em 2015 avaliava o impeachment como “impensável”, passou a formar um governo paralelo, composto por uma série de deputados federais do centrão de Cunha e que tem como segundo partido mais importante o PSDB, derrotado quatro vezes consecutivas nas urnas desde 2003. Neste contexto, a Câmara e o Senado, em meio a debates acalorados que mostraram o crescente isolamento do PT, apenas formalizaram a realidade política formada nas páginas de jornais e gabinetes.

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