Justiça

Leia a tese fixada pelo STF sobre a descriminalização do porte de maconha

A Corte definiu em 40 gramas a quantidade de maconha para diferenciar usuário de traficante

Foto: Antonio Augusto/SCO/STF
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O Supremo Tribunal Federal definiu nesta quarta-feira 26 a tese do julgamento em que descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal. A decisão tem caráter de repercussão geral, ou seja, servirá de parâmetro para todos os juízes e todos os tribunais brasileiros em casos semelhantes.

A Corte formou maioria na terça-feira para afastar a criminalização, mas faltava fixar as balizas para distinguir um usuário de maconha e um traficante.

A maioria definiu o porte de 40 gramas ou seis plantas fêmeas como divisor, mas a quantidade não será o único fator considerado em cada caso concreto. A gramatura, portanto, representa apenas uma “presunção”. Ou seja: uma pessoa pode ser flagrada com gramatura inferior ao teto fixado pelo STF e, ainda assim, ser enquadrada como traficante, a depender de outras circunstâncias. Da mesma forma, pode ser pega com um volume superior ao limite e ser considerada apenas usuária.

“Penso que a política de drogas que se deve praticar é a de monitoramento dos grandes carregamentos, de persecução dos grandes traficantes, de monitoramento do dinheiro e de policiamento tão intenso quanto possível de fronteiras, e não a política de prender em flagrante meninos pobres de periferias com pequenas quantidades de drogas”, disse o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, após proclamar o resultado nesta quarta.

Leia a tese definida nesta quarta pelo STF:

1 – “Não comete infração penal quem adquirir, guardar, transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela – artigo 28 inciso 1 do Código Penal – e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo – artigo 28 inciso 3 do Código Penal”.

2 – “As sanções estabelecidas nos inciso 1 e 3 do artigo 28 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal sem nenhuma repercussão criminal para a conduta”.

3 – “Em se tratando de posse de cannabis para consumo pessoal a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em juízo, sendo vedada a lavratura de auto de prisão em flagrante ou de termo circunstanciado”.

4 – “Nos termos do parágrafo 2º do artigo 28, será presumido usuário quem, para uso próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito ou trouxer consigo até 40 gramas quantidades de sativa ou 6 plantas fêmeas, até que o Congresso venha legislar a respeito”.

5 – “A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial ou seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante de tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos indicativos do intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelhos celular contendo contatos de usuários ou traficantes”.

6 – “Nesses casos, caberá ao delegado de polícia consignar no auto de prisão em flagrante as justificativas minudentes para afastamento do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos, como tirocínio e a experiência dos agentes policiais, a alegação de nervosismo ou atitude suspeita e a invocação de denúncias anônimas ou tentativas de fuga, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal da autoridade e de nulidade da prisão”.

7 – “Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4 deverá o juiz, no auto de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio”.

8 – “A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir pela atipicidade da conduta, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário“.

Na prática, o STF julgou a aplicação do artigo 28 da Lei de Drogas, a prever sanções alternativas – como medidas educativas, advertência e prestação de serviços – a quem compra, porta, transporta ou guarda drogas para consumo pessoal.

Declaram inconstitucional o enquadramento como crime do porte de maconha para uso pessoal:

  • Gilmar Mendes
  • Edson Fachin
  • Luís Roberto Barroso
  • Alexandre de Moraes
  • Rosa Weber (hoje aposentada)
  • Dias Toffoli
  • Cármen Lúcia

Votaram pela constitucionalidade do artigo 28:

  • Cristiano Zanin
  • Kassio Nunes Marques
  • André Mendonça
  • Luiz Fux

A quantidade de 40 gramas foi uma espécie de meio-termo entre o que defenderam os ministros ao longo do julgamento. Barroso, Zanin e Kassio Nunes sugeriram 25 gramas, enquanto Moraes, Gilmar, Cármen e Rosa recomendaram 60.

Novo embate

O julgamento no Supremo já produziu as primeiras reações do Congresso Nacional, indicando a intensificação de um embate em vigor desde o ano passado.

Na terça-feira 25, ainda com a votação na Corte em andamento, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acusou o tribunal de “invadir a competência” do Parlamento. Ele é o autor da chamada PEC das Drogas.

“Há uma lógica política, jurídica e racional em relação a isso que, na minha opinião, não pode ser quebrada por uma decisão judicial que destaque uma determinada substância entorpecente”, afirmou. Segundo Pacheco, o julgamento é objeto de “preocupação do Congresso Nacional”.

Já na noite de terça, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), oficializou a designação de uma comissão especial para analisar a PEC. Ela terá 34 membros titulares e 34 suplentes, com um prazo de 40 sessões para votar o texto.

Lira assinou o ato em 17 de junho, mas a inclusão dele no sistema da Câmara ocorreu apenas nesta terça.

Durante a sessão plenária no STF, o ministro Dias Toffoli se antecipou à reação do Parlamento e fez uma advertência. “Meu voto, ao não fixar um valor de gramas, dá a deferência ao Congresso, mas não significa que o Congresso pode vedar ou criminalizar o consumo“, disse o magistrado. “Pelos votos proferidos, no sentido do meu ouvir, o uso de maneira privada é um ilícito administrativo, não podendo ser estabelecido como um ilícito criminal.”

Se a Câmara e o Senado contrariarem esse entendimento, prosseguiu o ministro, haverá uma “violação à intimidade, à honra, à vida privada e à imagem das pessoas”.

Desde o início, a PEC das Drogas é, na prática, instrumento de uma ofensiva do Congresso contra o STF. Pacheco apresentou a proposta em 14 de setembro de 2023, quando o tribunal estava a um voto de formar maioria para descriminalizar o porte de maconha.

No ano passado, deputados e senadores encontraram outras formas de fustigar a Corte. Em um dos casos, o Senado aprovou o projeto de lei do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas no dia em que o Supremo declarou inconstitucional a tese ruralista.

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