Sociedade

A cura para a epidemia de homicídios no Brasil

Assim como uma doença, a violência pode ser diagnosticada, tratada e curada. Mas é necessária uma abordagem baseada em conhecimento, e não em ideologia

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Enquanto o Brasil corre para se preparar para a Copa do Mundo, o país já ganhou com folga uma outra competição: a de homicídios. Praticamente uma em cada dez pessoas assassinadas no planeta reside no Brasil. Com mais de 47 mil assassinatos registrados em 2012, somos um dos países mais violentos do mundo.

A taxa de homicídios cresceu durante as décadas de 1980 e 1990, alcançando um patamar de 24 assassinatos por 100.000 habitantes nos últimos anos. Para muitos analistas, a taxa real pode ser ainda maior. Pesquisas recentes indicam que mais de 75% dos brasileiros temem ser vítima de um homicídio no próximo ano. Surpreendentemente, o governo federal parece não ter uma estratégia nacional para combater essa epidemia.

Tão alarmante quanto a estatística nacional em si é a sua enorme desigualdade entre estados e cidades. Um seminário recente organizado por nossas instituições revelou que os residentes de Alagoas são, proporcionalmente, os mais vitimados – 110 por 100.000 habitantes, um aumento de 185% em relação aos anos anteriores. Se Alagoas fosse um país, ultrapassaria Honduras como o país mais violento do mundo. Enquanto isso, o estado de São Paulo, ainda que continue violento, registrou uma queda de 70% no índice de homicídios na última década.

Apesar de a proporção exata variar entre os estados, cerca de 70% dos homicídios são cometidos com armas de fogo, sendo, em sua ampla maioria, revólveres e pistolas de fabricação nacional, da indústria gaúcha Taurus. Há outras características que se mantêm constantes em todo o país.

Primeiramente, a grande maioria das vítimas é pobre, homem e negra ou parda. Também a maioria dos homicidas é composta por homens entre 18 e 30 anos dos estratos de mais baixa renda. Espantosamente, em 80% dos casos solucionados vítima e criminoso se conheciam. A maioria das vítimas foi morta perto de sua casa. Talvez ainda mais desconcertante seja o fato de que a polícia brasileira seja a que mais mata no mundo. Longe de ser dispersa e espontânea, a violência se revela geográfica e demograficamente concentrada e, portanto, é altamente previsível.

A boa notícia é que há medidas concretas que os líderes brasileiros no governo, na iniciativa privada e na sociedade civil, podem aplicar para reverter essa assustadora epidemia de violência. Assim como uma doença, pode ser diagnosticada, tratada e curada. Para tanto, é necessária uma abordagem baseada em conhecimento, e não em ideologia. Uma abordagem composta por análise de dados, cumprimento efetivo da lei e ações preventivas. Para que seja sustentável no longo prazo, é necessário que haja real apoio político e financeiro entre os líderes locais e federais. Se aplicadas com seriedade e energia, tais medidas elevariam a segurança de todos os cidadãos.

Uma abordagem abrangente inclui um policiamento mais inteligente, focado nos pontos em que a violência se concentra. A estratégia a ser traçada precisa ser respaldada por dados e análises confiáveis, incluindo a origem, as rotas de tráfico e desvio de armas e o mal uso de armas e munições.

Igualmente importante, uma estratégia integrada precisa ter a prevenção da violência letal como prioridade da política de segurança pública. Juntamente com o policiamento, é necessário que haja políticas sociais e econômicas para atender aos jovens, que compõem majoritariamente as vítimas e os perpetradores dos crimes. As ações preventivas devem incluir esforços para controlar e coibir o uso excessivo de álcool e programas para tratar e reabilitar aqueles envolvidos com drogas, em vez de prendê-los, como acontece atualmente. Também é importante usar adequadamente o potencial das novas tecnologias de informação, juntamente com as antigas, inclusive melhorando campanhas de conscientização.

A violência letal é um termômetro da saúde de uma sociedade e do comprometimento do governo com a garantia de sua segurança e seu bem-estar geral. Sob essa ótica, o Brasil é um paciente doente e nossas autoridades públicas são médicos errantes. É possível darmos fim a essa tragédia. Para isso, é essencial que em 2014 construamos uma política pública abrangente e de longo prazo. Se decidirmos encarar o problema com responsabilidade proporcional ao tamanho do desafio e por meio de uma discussão madura, daremos início à cura.

 

*Robert Muggah é diretor de pesquisas do Instituto Igarapé e Daniel Mack é analista sênior do Instituto Sou da Paz

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