Um estrangeiro que desembarcasse na quinta-feira 24 em São Paulo para conhecer o lugar onde se dará o pontapé inicial da Copa das Copas, conforme a denominação da presidenta Dilma Rousseff, provavelmente imaginaria que errou de endereço ou de temporada. A impressão de quem desce da estação Itaquera do Metrô, a poucos metros da Arena Corinthians, é que as obras estão a mil, só que para receber o Mundial de 2018.
A 48 dias da partida de abertura da Copa do Mundo, entre Brasil e Croácia, em 12 de junho, o que se vê no entorno do estádio é um amontoado de barro, barranco e concreto (clique na galeria ao lado para conferir). À esquerda de quem chega, o shopping Itaquera é o único ponto de referência a quem quer entrar no clima da Copa. Está decorado com as cores da bandeira, luminárias a imitar bolas quadradas de futebol (sim, elas existem, Quico) e um imenso “Gooooool” a ilustrar as costas de uma escada rolante vista de baixo. A cada três lojas, duas são de camisetas, calçados ou materiais esportivos, quase todas com o uniforme do Brasil à entrada. Até a ótica aderiu ao clima: os kits de óculos e lentes de contatos têm a companhia do Fuleco, o mascote da Copa, nas vitrines decoradas. Quem nunca viu um tatu-bola de óculos é porque nunca visitou o shopping Itaquera.
Em um entreposto entre o shopping e o estádio, centenas de pessoas se amontoavam, naquela manhã, na área do Poupatempo com a carteira de trabalho em mãos. Em um dos cantos, sem o mesmo frenesi dos assentos lotados, um senhor ditava a uma voluntária do programa Escreve Carta, do governo estadual, a missiva a ser entregue a alguém distante. O estrangeiro que quisesse conhecer o Brasil real, incapaz de ensinar seus habitantes a ler e a escrever, não precisaria andar quilômetros pelo Brasil profundo: bastaria atravessar a rua do Contorno.
A calçada do palco da abertura da Copa não tem postes e está cheia de buracos e pedras mal colocadas
De um lado a outro, o tráfego de caminhões trazendo e levando areia e barro é intenso. Entre guindastes, homens de capacete circulam pela obra com olhares sérios entre os trabalhadores de uniforme azul e alaranjado. “É preciso combater esse clima de não-Copa”, diz um visitante a um dos encarregados antes de se despedir e se encaminhar ao metrô. Quem seria?
De perto, é possível observar o tamanho do desafio, agravado naquela manhã por uma garoa fina e insistente. O lugar que dali a 48 dias estará no centro das câmeras de todo o Planeta ainda não afixou sequer os assentos vendidos feito água pelo sistema eletrônico da Fifa, a dona do evento. Se o estrangeiro estivesse com o ingresso em mãos, pensaria ter comprado um assento em um estádio onde só existe um esqueleto de vigas e concreto. É como comprar a passagem de um avião que ainda não existe.
De perto, o estádio ainda parece um esqueleto
Um dia antes, após visitar as mesmas estacas, o secretário-geral da Fifa, Jérome Valcke, avisou que o calendário das obras não poderia mais sofrer alterações.
“Não há um único minuto a perder, temos muito trabalho pela frente. É uma corrida contra o tempo.”
O dirigente foi modesto. São poucos dias para a estreia do Mundial e o palco da abertura não está pronto. Haverá tempo suficiente para transformar aquele bloco de concreto e arame em um estádio? Possivelmente sim. A engenharia humana já obteve feitos mais notáveis em menos de 50 minutos.
Mas hoje quem visita a região percebe que, diferentemente do que diz o ministro Gilberto Carvalho, para quem o problema dos organizadores foi não ter dado visibilidade à parte boa do megaevento, não há muita pílula a dourar: o entorno do estádio ainda em obras é apenas um grande barranco.
Em São Paulo, não poderia haver menos clima de Copa do que o entorno do Itaquerão.