Sociedade

Cuidado com a pomba

Dias atrás, apareceu na pista do Aeroporto de Congonhas uma pomba que, mesmo morta, impediu pousos e decolagens

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Houve época em que as pombas tinham outra função na simbólica moderna. Seu ar manso, suas atitudes meio tímidas, aquele comércio amoroso do casal, tudo isso fez da pomba o símbolo da paz.

O Picasso até andou pintando a pomba quando sua Espanha se consumia em guerra civil. Muitos outros pintores fizeram o mesmo. 

Entre as aves, seu oposto é o falcão. Voraz, agressivo, guerreiro. Alguém aí se lembra do carcará da Bethânia? “Pega, mata e come.”

Carcará, gavião, águia e se quiserem mais uma destas aves de rapina, por aqui desconhecida, ainda se pode falar do ximango. Ah, um guincho de qualquer uma destas aves, lá no céu, põe a miuçalha dos bichos aqui de baixo em polvorosa. Correria e desespero.

Não sei como tudo isso aconteceu, mas a verdade é que os papéis começaram a inverter-se. Andamos vivendo a crise dos aeroportos. Tenho feito viagens de ônibus que, apesar de mais caras e mais demoradas, são mais garantidas. Sai-se e chega-se no horário combinado.

Esta crise, posso supor, é a culpada pela inversão. Uns dias atrás, apareceu na pista do Aeroporto de Congonhas uma pomba que, mesmo morta, impediu a decolagem e o pouso de aeronaves naquele local por cerca de quinze minutos.

A situação, não fosse a gravidade do assunto, que já teve como resultado, entre outras coisas, socos e pontapés, está ficando cômica. Melhor: tragicômica. Será que passada toda esta fase, que se pode chamar de síndrome do voo atrasado, nervos no lugar, alguém deixaria de pousar ou decolar por causa de uma pomba, no chão, e ainda por cima morta? Fosse uma águia, e viva, então eu ficaria quieto.

Mas nos dias que correm nem o céu está livre de ameaças. Hoje de manhã, depois de levantar, fui abrir a janela. Comecei mal o dia. Empoleirados nos fios da rede elétrica, quietos, parados, encarei três anus pretos, com seus bicos fortes e suas caudas imensas. O impacto da visão, eu juro, foi suficiente para me estragar o dia. Claro que me lembrei do Poe, “never more, never more”.

E os anus, com seu pretume, me olharam de um jeito estranho e começaram a chiar. Então me ocorreu que nada nesta vida é eterno, mas principalmente os anus pretos que pareciam de prontidão para me atacar, mas que serviram apenas para me causar certo mal-estar, porque começar um dia com três anus pretos estampados na paisagem, não sei se vocês concordam, tira até o apetite. 

Na volta do café, fui até a janela e lá estavam os anus pousados nos fios. Não vão mais embora essas aves de mau agouro? Prefiro as pombas.

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