Sociedade

Governo federal propõe retirar comunidade de área do Horto Florestal

Ao todo, 520 famílias precisarão deixar local que foi oficialmente demarcado como do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico

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Atualizado às 11h20 de sexta-feira 10.

Um anúncio da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, na terça-feira 7 deu ao Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro fronteiras oficiais pela primeira vez desde sua criação, em 1808. A decisão, por outro lado, intensifica um conflito judicial que dura mais de 20 anos entre a entidade e uma comunidade de 620 famílias que vive em parte da área integrada ao parque.

A demarcação do governo federal foi conduzida por equipes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Ministério do Meio Ambiente, Secretaria do Patrimônio da União (SPU), que detém a posse do lote, e Advocacia-Geral da União (AGU) a pedido do Tribunal de Contas da União (TCU). O parque agora vai ocupar uma área de 132,5 hectares no Horto Florestal.

Serão removidas, segundo a Associação de Moradores e Amigos do Horto, cerca de 520 famílias. Apenas 100 famílias que também lutavam na Justiça pela sua permanência no local poderão continuar em suas casas, localizadas na comunidade Dona Castorina. Elas vivem em uma área fora dos limites definitivos do parque. “Os moradores vão buscar formas jurídicas e políticas para reverter a situação. Uma assembleia neste sábado 11 vai decidir como vamos agir”, diz Emília Maria de Souza, presidente da Amahor, a CartaCapital.

Ainda não há uma definição quanto ao local para onde as famílias seriam realocadas ou quando isso ocorreria, mas a prioridade é retirar 200 famílias em área de risco dentro do lote. “O Ministério do Meio Ambiente considera não ser adequado a presença de edificações com perfil de moradia dentro desta área e que é necessário preservar os interesses científicos [do Jardim Botânico], mas trabalha para que o governo encontre alternativas de moradias para a comunidade”, ressalta Luiz Antônio Carvalho, assessor-especial do gabinete da ministra Izabella Teixeira.

O conflito se arrasta porque o Jardim Botânico quer expandir suas pesquisas e, para isso, pediu a saída dos 3 mil moradores da área. Os habitantes, por outro lado, dizem que seus parentes, ex-funcionários do instituto, foram autorizados pelo parque, desde sua criação até os anos 1950, a construir as casas.

Desde o início dos anos 1980, a AGU contesta a ocupação. E obteve 256 decisões em favor da reintegração, sendo que 162 delas transitaram em julgado. A execução de quase todas está suspensa a pedido do próprio órgão desde 2007. À época foi iniciado um programa de Regularização Fundiária de Interesse Social para os moradores.

Em 2010, a disputa com o Jardim Botânico se intensificou quando um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi apresentado ao TCU. Realizado a pedido da SPU, o relatório traçou o perfil socioeconômico dos moradores e delimitou as áreas de preservação conciliando o parque e a população. A proposta foi duramente criticada e o órgão determinou sua suspensão.

A proposta anunciada nesta semana visa cumprir a determinação do TCU de preservar o meio ambiente, o patrimônio histórico tombado e a eliminação das situações de risco na área, agora do parque. Segundo a Souza, a decisão deixa os moradores em estado de insegurança. “Não existe uma área disponível para realocação da comunidade dentro do bairro que tenha sido apresentada. Não sabem onde nos colocarão. E duvido que a SPU tenha imóveis suficientes para todas as famílias.”

Um interlocutor do Ministério do Meio Ambiente afirma que a demarcação é definitiva, mas o governo federal trabalha para encontrar alternativas de moradia para as famílias antes que elas comecem a ser retiradas da área. A intenção é oferecer habitações no Horto Florestal, mas o alto valor dos terrenos no bairro limitaria essa saída. Há a possibilidade, porém, de realocar parte dos moradores no terreno de uma fábrica a poucos metros da área em disputa que estaria disposta a se mudar do local.

Segundo a AGU, as ações de reintegração não serão executadas de “imediato”. O órgão pleiteará no Judiciário “que seja dado prazo compatível para que as famílias que aceitarem a proposta do governo federal sejam alocadas em novas moradias”.

Antes da apresentação de um plano para a remoção das famílias, o governo federal realizará um recadastramento dos moradores em até 30 dias. Serão analisadas alternativas para compensá-las, como indenizações, compras assistidas ou recebimento de novas casas. “Nos casos em que a Justiça Federal fixar nas ações reintegrações de posse o direito ao pagamento de benfeitorias, a AGU buscará efetivar acordos com estas famílias para que sejam indenizadas e saiam espontaneamente da área”, diz a Advocacia-Geral.

Os moradores, no entanto, decidiram não aceitar a atualização do cadastro. “Queremos refazer o cadastro para acabar com os boatos de que aqui vivem pessoas de alta renda, mas não o faremos na estrutura montada dentro do parque. Porque se entrarmos lá, estaríamos aceitando uma proposta que não é boa para a comunidade”, afirma Souza.

Aos moradores com renda abaixo de 2,7 mil reais podem ser oferecidos imóveis do programa Minha Casa Minha Vida. Aqueles que tiverem rendimentos superiores a este teto terão os casos analisados individualmente.

Em nota, a SPU afirma que só será possível prever o prazo para “a inteira desocupação após a conclusão da atualização cadastral e definição das alternativas de moradia para a comunidade do Horto Florestal” para que os moradores possam ter propostas “que assegurem o acesso ao direito à moradia, no âmbito da legislação vigente”.

Dentro do terreno do Jardim Botânico permanecerão apenas uma escola municipal, uma unidade do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) e uma subestação de energia da Light. Também será desocupado um prédio do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).

A reportagem contatou o Jardim Botânico que informou apenas que está alinhado com o Ministério do Meio Ambiente.

Com informações Agência Brasil.

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