Sociedade

Jornalismo brasileiro não tem maturidade para o #AgoraÉQueSãoElas

O que era para dar visibilidade a mulheres virou, na mão de homens jornalistas, marketing que acena para o feminismo enquanto garante que nada mude

Surdo ao clamor por diversidade, colunistas mais atrapallham que ajudam
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Se for para ficar uma lição como legado da campanha #AgoraÉQueSãoElas, que seja a de que, no limite, em discursos sobre feminismo e direitos da mulher, são as mulheres que devem ser protagonistas. Se der para ficar duas lições, que seja a de que até para ser ativista você precisa estudar.

A ideia inicial era que homens com destacado espaço de fala em mídias de grande alcance dessem lugar para que uma mulher ali escrevesse. Poderia até ter dado certo não fossem dois fatores que o fadavam ao fracasso: os homens e a mídia.

Há por exemplo muitos homens progressistas que relutam em aceitar que apoiar as demandas e o discurso feminista não é tomar a frente para brigar no lugar delas. É usar as vantagens que já lhe são concedidas para que uma mulher defenda, ela sim, seu ponto de vista. Um raciocínio bem direto.

Foi isso, ao que tudo indica, que a campanha tentou ilustrar. Não contava com o poder pernicioso do jornalismo brasileiro de deturpar todo e qualquer debate socialmente relevante.

Coube aos homens então vestir a camisa do altruísmo e chamar mulheres para escrever. Quem? Suas esposas, filhas, primas, vizinhas. É claro que todas as mulheres devem ter espaço e oportunidade de expressar suas opiniões, mas o objetivo da campanha era trazer à ribalta vozes, histórias e visões que confrontassem esse confortável discurso massificado. Não aconteceu.

Pessoas que vivem numa bolha conversando com seus vizinhos e surdas às convocações por diversidade não podem ir muito longe em suas reflexões.

Ou então: uma escritora autora de mais de dez livros e presença constante em veículos diversos realmente necessita ocupar o espaço de um colunista de grande jornal? Não havia em lugar nenhum do planeta outro nome à altura que confere a si mesmo aquele espaço?

É a típica situação que levanta a bandeira desse marketing que acena para movimentos sociais enquanto se certifica de manter as coisas todas como estão.

Deveria ser tipificado como crime o que viria depois. O preconceito que ainda vai ser defendido como “pluralidade” ou “direito democrático de divergência de opiniões” tomou conta de textos que praticamente defendiam os projetos retrógrados da bancada evangélica ou, à custa de suposta ironia, só faziam demonstrar ignorância sobre princípios do feminismo e do bom senso.

Não cabe personificar críticas e direcioná-las a mulheres individualmente. Mas até pra ser ativista você precisa estudar. Isso implica ler, conversar com pessoas diferentes, acompanhar pesquisas, estudos, comissões e projetos em debate. O feminismo não é um estilo de vida ou tendência de moda. Nem essa máquina de cliques que se está gestando.

Depender da suposta benevolência de homens para conseguir um espaço limitado tem a ver com tentar mudar o jogo de dentro. Acontece que nenhum jogo vai virar com argumentos que defendem a cultura do estupro, por exemplo.

Ele pode começar a entornar para outro lado quando mais e mais mulheres forem direto nos veículos exigir seu espaço na mídia como um todo. Por que uma coluna e não mais colunistas? Mais editorialistas e repórteres, mais mulheres defendendo que elas estejam representadas de formas não sexualizadas, que sejam contempladas em reportagens, em políticas públicas e etc.

Poucas áreas de atuação foram tão precarizadas tão rapidamente como o jornalismo. Existe um déficit óbvio de mulheres nos cargos de chefia nas redações brasileiras, e não é preciso dizer que há casos de machismo diário que não têm nada a ver com meritocracia.

Isso explica a falta de qualidade generalizada do conteúdo que essas empresas jornalísticas produzem há um tempo, o que inclui o caso atual. A oportunidade de dar voz às mulheres virou o oportunismo que distorce qualquer coisa que possa gerar cliques ou uma falsa fama virtual. Como sempre.

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