Sociedade

Maconha também é remédio

Canabidiol é liberado, mas sua produção é proibida e os custos de importação, altíssimos. Por Mauricio Moraes

Manifestação a favor da legalização das drogas em Brasília, em maio de 2014
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O Brasil deu o primeiro passo, ainda tímido, no processo de regulamentação da maconha medicinal. Depois de muita pressão, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou para fins terapêuticos o canabidiol, um dos mais de 60 princípios ativos da maconha. Mas é preciso avançar, e muito.

Por meio de uma resolução, a Anvisa disse apenas que o canabidiol agora é remédio e pode ser consumido. (Formalmente a substância entrou na lista C1, de uso controlado). Mas não se animem tanto os pais de crianças portadoras de epilepsia e outras doenças crônicas para as quais o canabidiol se mostrou um santo remédio.

Produzir o remédio por aqui ainda é coisa proibida. Logo, vai demorar para estar disponível no SUS. Por outras razões, também não vai estar nas farmácias. Com a decisão da Anvisa, o medicamento só estará acessível a quem tiver dinheiro para importar. A fatura pode chegar a alguns milhares de reais. A diferença é que agora ninguém corre risco de ir à cadeia por tráfico de drogas se fizer isso.

O que muita gente não sabe é que a maconha medicinal já é, em tese, legalizada no Brasil. Mas isso de nada adianta, pois falta regulamentação (seja pela própria Anvisa, como nesse caso, ou por uma nova legislação). É, no entanto, um caminho muito mais simples que o da maconha para fins recreativos. É simplesmente preciso mais vontade política e menos hipocrisia para que sigamos o exemplo de vários países europeus e estados americanos.

A lei brasileira diz que o governo pode “autorizar o plantio, a cultura e a colheita (…), para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados”, de vegetais “dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas”, segundo artigo 2 do Sisnad, o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.

Nos últimos meses, a causa ganhou força com a campanha Repense (que produziu o documentário Ilegal (abaixo), mostrando o drama de crianças como Anny Fischer, que tinha mais de 60 convulsões por semana e reduziu para quase zero depois do tratamento feito com remédio contrabandeado).

Um projeto de iniciativa popular também levou o tema ao Senado, que hoje debate uma regulamentação mais detalhada da maconha medicinal (e para fins recreativos). Na Câmara tramita ainda um projeto do deputado Jean Wyllys (Psol-RJ).

Sobre a decisão da Anvisa, resta uma pergunta. Por que apenas o canabidiol? A maconha tem mais de 60 princípios ativos e apenas um deles dá ˜barato” o THC. Mas este também é remédio, sobretudo para dar mais qualidade de vida a pacientes terminais de câncer.

A Anvisa tem sempre respostas técnicas e nunca irá admitir, mas estou certo que o THC não entrou na lista porque é a substância que também entretém ˜maconheiros” mundo afora.Por isso mesmo é preciso fazer um debate mais transparente, sem preconceitos. Tanto sob uma perspectiva de saúde, como aqui, como de segurança pública e liberdades civis, como no caso da maconha recreativa.

O grande entrave são setores reacionários como os fundamentalistas religiosos (que travam o debate no Congresso). Infelizmente quem se juntou ao coro dos conservadores foi o ministro da Justiça, o antes descolado José Eduardo Cardozo, que em entrevista recente disse de forma enfática que a regulamentação das drogas (incluindo ai as que têm fins medicinais) “não está em pauta” no governo.Vamos ver até quando o argumento resiste, já que maconha também é remédio e remédio dá lucro. Ou alguém duvida que a indústria farmacêutica já não tenha escalado seus lobistas em Brasília?

*Mauricio Moraes é jornalista e foi candidato a deputado federal em São Paulo pelo PT

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