Sociedade

O ‘mundo rural’ do Brasil hoje

Encontrar identidades entre os resultados sociais auferidos da produção humana em meios urbanos e rurais pode excitar as mentes das ciências sociais

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O mérito da publicação “O mundo rural no Brasil do século 21”, mencionado na última coluna, já aparece nas visões antagônicas dos textos introdutórios, escritos por um economista e um sociólogo, ambos de renome e competência que abordam como o passado e o presente caminham para o irrefreável encontro de águas da modernidade.

Dessa pororoca se espera ajustar o resultado da produção realizada por homens e mulheres que vivem no campo aos seus anseios de bem viver.

Querer encontrar identidades, mesmo poucas, entre os resultados sociais auferidos da produção humana em meios urbanos e rurais pode excitar as mentes das ciências sociais, mas se manterá “eterno enquanto dure”, como poetou Vinícius de Moraes (1913-1980).

Pelo contrário, minhas andanças capitais mostram um processo célere e harmônico, mínima e necessariamente imperfeito, pouco percebido nos institutos de beleza em folhas e telas cotidianas, políticos, federados e confederados ligados ao setor.

Volto do Mato Grosso do Sul. Vilarejos que visitei há quase 30 anos. Hoje em dia, são cidades de produção, comércio e serviços prósperos.

Não mais os velhos “gigolôs de vacas” que caracterizavam a pecuária no estado e que, diante de renitente resistência, fizeram gaúchos, catarinenses e paranaenses pularem a região para desenvolverem suas lavouras em terras mais baratas ao norte.

Corre solta a percepção dos produtores da região no sentido de integrar pastagens, principalmente as que precisam ser recuperadas da degradação, e lavouras.

Uma história que, ajustada a algumas especificidades regionais, pode ser estendida ao desenvolvimento agropecuário em todo o País.

Algum planejamento para chegarmos até aí? Nada. Gerações atrás de gerações, famílias em sequência, promoveram a reforma agrária na cama, como se diz por aqui. De forma autônoma, ditando sucessos e perrengues, fazendo opor campesinos, caboclos, sertanejos, índios e quilombolas a caras-pálidas que nem se imaginam assim.

Valeu a pena? É o que, de certa forma, os textos introdutórios do estudo confrontam.

Em “A agropecuária brasileira é um sucesso”, o economista e sócio da consultoria MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros, descreve os fatores que tornaram o Brasil importante player global.

Passado e presente recolhidos numa sucessão histórica “vista assim do alto”: condições favoráveis de clima, água, solo e outros recursos naturais, produtividade crescente via tecnologia, Embrapa, desenvolvimento do Cerrado, extensão aos setores industriais e de serviços, muito mais enfim, até hoje representar 25% do PIB nacional.

Na concepção do analista, tudo foi realizado sem grandes impactos ambientais, racionalizando o uso de agrotóxicos, muito mais enfim.

E o futuro? Bem, este fica comprometido por tudo o que os últimos governos deixaram de fazer. Infraestrutura logística, política amena aos combustíveis de fontes renováveis, inação do Ministério da Agricultura na liberação de registros de agroquímicos, falta de clareza em aspectos regulatórios, ações nefastas de INCRA e FUNAI, muito mais enfim.

A filiação política do economista é conhecida, e o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO) não teria feito melhor.

Outra é a visão apresentada pelo sociólogo José de Souza Martins, professor emérito da Universidade de São Paulo, em “A modernidade do ‘passado’ no meio rural”.

As aspas na palavra passado do título já indicam o caminho trilhado por Martins. Com base nos anos de estudos sociológicos em áreas rurais, questiona como os imperativos temporais do grande capital castraram “a competência humana para criar, inovar, transformar e superar”.

É claro ser um texto de complexidade muito além da apresentada por Mendonça de Barros.

Reproduzo trecho do texto de Martins, justamente, pois já escrevi sobre comunidades rurais que tenho visitado, nesta CartaCapital.

“O fato de que um grupo social, uma comunidade, um bairro rural, permaneça organizado com base em valores comunitários e tradicionais não o torna avesso necessariamente à tecnologia moderna ou personagem do passado (…)”.

Concordo plenamente.

Continua o professor: “Torna-o, sim, crítico em relação às imensas irracionalidades que podem atravessar o uso dessa tecnologia”.

Discordo com a mesma intensidade.

Caso não condicionados por leis ou programas de incentivos do governo, esses grupos agem orientados pelo mercado, com as mesmas ‘irracionalidades’ dos produtores desvinculados de vocações comunitárias.

Martins traz no texto exemplos de danificações nas estruturas produtivas e sociais do mundo rural que remontam séculos ou, mais recentemente, décadas. Todos verdadeiros, mas incapazes de fazer retornar o que ele acha ser racionalidade.

Faz-me assim, na próxima coluna, rumar para o tema da agricultura familiar, tão imbecilmente, pois de forma politizada, vista por técnicos que se afastaram das andanças capitais.

Se não mudar de ideia, discutiremos o que diz o professor José de Souza Martins:

“A autarquia da agricultura familiar deve ser compreendida na peculiaridade de sua inserção na divisão social do trabalho. Não exclui a inserção no mercado”.

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