Sociedade

A impressora 3D vai superar quais empresas?

A arma criada em uma impressora deste tipo pela Defense Distributed parece amadora, mas uma nova tecnologia simples pode causar um grande impacto

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Por John Naughton

A notícia de que alguns brincalhões do Texas que navegam sob a bandeira “Defense Distributed” conseguiram criar uma pistola funcional usando tecnologia de impressão em 3D jogou o gato na gaiola dos pombos. Houve a reação tradicional dos legisladores americanos hiperativos. O congressista democrata Steve Israel, de Nova York, foi o primeiro a dar o alarme – ele já patrocinava um projeto de lei que proíbe “armas não detectadas”-, agora anunciou que vai acrescentar outros regulamentos sobre armas impressas em 3D. “Postos de controle de segurança, verificações de ficha policial e regulamentos sobre armas não adiantarão muito se os criminosos puderem imprimir suas armas plásticas em casa e passá-las pelos detectores de metal sem ninguém perceber”, disse ao New York Daily News.

Os impressores de armas, por sua vez, não perderam a oportunidade de enaltecer sua realização. “Eu vejo um mundo onde a tecnologia diz que você pode ter praticamente tudo o que quiser”, declarou Cody Wilson, o diretor da Defense Distributed. “Não é mais função dos agentes políticos.” Esse é o tipo de gabolice que faz os editorialistas se encolherem em suas casamatas, indagando-se sobre a tecnologia rebelde e para onde vai nos levar, enquanto em outra parte da floresta os evangelizadores tecnológicos temem que os pesquisadores da Defense Distributed estejam dando má fama à impressão em 3D.

E realmente estão. Mas na verdade todo mundo tem dado à impressão em 3D algum tipo de nome. Ela é variadamente vista como uma tecnologia revolucionária que vai transformar a indústria e recuperar empregos para os Estados Unidos; uma ameaça terrível à propriedade intelectual; uma tecnologia democratizante que dá poder aos indivíduos e às pequenas empresas; uma força poderosa para o bem na medicina; uma nova maneira de fazer alta-costura; e uma moda exagerada ao extremo.

O que está acontecendo é que as pessoas projetam suas esperanças, temores e fantasias no que é basicamente a extensão lógica de uma velha tecnologia — a impressora a jato de tinta. Em vez de espirrar tinta por pequenos bicos sob controle do computador, porém, a impressora 3D esguicha glóbulos de plástico ou outros materiais e cria objetos tridimensionais, “imprimindo” camadas sucessivas de acordo com os dados contidos em um modelo computadorizado do objeto.

Embora já existam algumas aplicações muito sofisticadas da impressão em 3D na indústria (na manufatura de aeronaves, por exemplo), a maioria das coisas produzidas por essa técnica no domínio público parece bastante grosseira ao olhar leigo. A arma do Texas, por exemplo, parece ingênua e pouco sofisticada se comparada, digamos, com uma Walther PPK. Podemos apenas imaginar o sorriso incrédulo de James Bond se lhe oferecessem uma.

Para quem acompanhou o trabalho do acadêmico de Harvard Clayton Christensen ao longo dos anos, porém, a mera crueza do objeto impresso é o que faz soar o alarme, porque lembra a possibilidade de uma mudança que perturba a ordem vigente. Christensen é famoso por seus estudos pioneiros em inovação industrial. O que ele queria compreender é por que empresas grandes e bem-sucedidas são com frequência destruídas e humilhadas por novas tecnologias cuja importância elas não conseguiram reconhecer.

A razão pela qual corporações de sucesso são pegas desprevenidas, descobriu Christensen, é que as primeiras manifestações das novas tecnologias são tão cruas que não parecem representar uma ameaça para as que estão em vigor. Seus produtos, embora caros, são tão polidos e sofisticados que parece impossível que os clientes fossem tentados por outros artefatos tão rústicos.

Mas acontece que alguns clientes estão dispostos a comprar o produto rústico porque não podem pagar pelo caro; e os fabricantes do produto perturbador rapidamente o aperfeiçoam, tornando-o menos rústico. Então eles captam a faixa inferior do mercado do produto dominante. E assim vai, até que a companhia estabelecida (ou companhias, pois isso pode acontecer com setores inteiros) naufrague.

O símbolo do relato de Christensen sobre a inovação perturbadora, é claro, é a Kodak — uma empresa enorme e rentável que dominava completamente o mercado de fotografia analógica, baseada em filmes, e acabou sendo destruída pela tecnologia digital. E a mesma lógica se aplicava, porque quando apareceram os sensores digitais as fotografias que produziam eram realmente horríveis. Mas a lógica de Christensen acabou prevalecendo e a Kodak deixou de existir. A grande ironia é que foi nos próprios laboratórios de P&D da Kodak que o sensor digital foi inventado.

Ninguém sabe qual será o impacto em longo prazo da impressão em 3D. É possível que acabe afetando apenas um número limitado de setores industriais. Ou apenas determinadas partes de um setor — por exemplo, as organizações que precisam manter grandes armazéns de peças para uma infinita variedade de equipamentos industriais e domésticos: por que manter um estoque físico quando basta ter as plantas CAD e uma impressora?

A única razão para não se desprezar a impressão em 3D é a que a maioria dos céticos usa neste momento: que as coisas que ela produz parecem grosseiras.

Leia mais em www.guardian.co.uk

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