Sociedade

Relatório da CPI da Funai e Incra é uma compilação de insanidades

Texto do deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) cumpre o propósito de estimular a concentração de terras e o controle das políticas florestal e relacionadas à agropecuária.

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Sempre foi evidente que a instituição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em novembro de 2015, para investigar a atuação da Funai e do Incra na demarcação de terras quilombolas e indígenas, foi motivada por interesses do agronegócio por meio de seus representantes na Câmara Federal.

O relatório da CPI, assinado pelo deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), teve seu texto principal aprovado na semana passada pela maioria da comissão. Este documento cumpre o propósito de estimular a concentração de terras e o controle das políticas florestal e relacionadas à agropecuária no Brasil. Como membro dessa CPI, fui voz dissonante, fiz oposição a esse teatro que estimula o esvaziamento de órgãos públicos federais, cujas competências são fundamentais para os Direitos Humanos e a valorização das etnias negra e indígena. 

A CPI quer sepultar a Funai e a política indigenista. A força da bancada ruralista tem efeito sobre o Governo. A Funai, que já estava fragilizada no governo Dilma, sofre agora pressão ainda maior. As denúncias sobre o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, ter entregue a Funai para a ingerência política do PSC e a demissão do presidente da fundação, Antônio Fernandes Costa, há duas semanas têm causa: a causa do boi, como ficou demonstrado na Operação Carne Fraca.

Essa mesquinha negociação política é inadmissível porque inviabiliza a Funai, um órgão constituído de corpo técnico qualificado. Servidores se aposentaram, cargos comissionados foram extintos e não há previsão de concurso público.

Além disso, os gradativos cortes orçamentários aprofundam o comprometimento da atuação da Funai, que, em 2017, conta com um pouco mais de R$ 500 milhões para atender mais de 800 mil indígenas no Brasil todo. Somente o Colégio Dom Pedro II, do Rio de Janeiro, tem orçamento superior a isso, de R$ 650 milhões, este ano.

O relatório da CPI revela a completa perda de razoabilidade e de racionalidade da bancada ruralista, movida pelo ódio aos indígenas e aos quilombolas. É escandaloso o indiciamento de 120 pessoas, entre procuradores federais, advogados da União, servidores públicos, pesquisadores e lideranças religiosas, que não foram ouvidas na comissão. Uma das aberrações mais flagrantes, foi o indiciamento do servidor do Incra do Rio Grande do Sul falecido desde o ano de 2008. 

Sem dúvida, uma das principais insanidades do relatório reside na agressão à ONU: “Mais parece uma confederação de ONGs do que uma organização que reúne estados soberanos”, diz o texto aprovado na CPI. Além de remeter trechos de uma investigação sigilosa da ABIN sobre lideranças indígenas à OIT, o que repudio duplamente.

De um lado por se caracterizar como um ato de violência tal vigilância por parte do Estado aos movimentos sociais. De outro, essa atitude da bancada ruralista manda um claro recado de não reconhecimento da autoridade da ONU para atuar em questões indígenas no Brasil. 

Essa atitude da CPI é uma contradição e um desrespeito à própria Câmara Federal, ao Congresso Nacional, à República Federativa e ao Estado Brasileiro que, como membro da ONU, não apenas participou da elaboração da Carta das Nações Unidas, que constituiu a própria ONU após a II Guerra Mundial, como é signatário da Convenção 169 da OIT, que trouxe inclusão social para milhões de pessoas de etnias indígenas e tribais no mundo. A convenção tornou-se lei no Brasil (Decreto 5.051, de 19 de abril de 2004), que foi consolidada por decisão da Câmara e do Senado. 

O relatório da CPI da Funai e Incra é a expressão da arrogância, do autoritarismo, do ódio e da virulência contra a diversidade étnica mundial e, particularmente, no nosso país. Esse ódio não pode prevalecer, mesmo que a bancada ruralista aprove o relatório em plenário, vamos buscar as forças democráticas para derrubar esse intento, em todas as esferas possíveis.

É necessária a reação institucional, através das bancadas, do Ministério Público, dos servidores públicos e das organizações não-governamentais que estão sendo violentadas, assim como a resistência dos povos quilombolas e indígenas. Precisamos reafirmar o direito do povo brasileiro à paz.

*Edmílson Rodrigues é deputado federal (PSOL-PA)

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