Sociedade

É preciso repensar a saúde enquanto há tempo

Conselheiro da Casa Branca na formulação do “Obamacare”, Rafael Bengoa alerta para a possibilidade de um colapso em função da escalada de gastos com saúde pública no mundo

Rafael Bengoa foi ministro da Saúde do País Basco e atualmente é diretor de Políticas do Sistema de Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS)
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Conselheiro de Barack Obama na elaboração do “Obamacare”, audacioso projeto de reforma do sistema de saúde dos Estados Unidos, e diretor de Políticas do Sistema de Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), o venezuelano Rafael Bengoa vislumbra um cenário preocupante para países ricos e pobres em um futuro próximo. Segundo ele, os gastos com os sistemas públicos de saúde continuarão a aumentar e mesmo as nações mais desenvolvidas vão precisar repensar o sistema se quiserem manter o atendimento à população.

Ao contrário do que costumam prometer políticos em época de campanha eleitoral, diz Bengoa, a solução não passa pela construção de novos hospitais. A proposta do venezuelano é o oposto disso: manter as pessoas cada vez mais longe dos prontos-socorros e unidades de internação. Segundo ele, o atendimento de urgência e a internação são, nesta ordem, os dois procedimentos mais caros em um sistema de saúde pública. Fazer com que as pessoas não precisem ocupar um leito, então, é o segredo.

“Não vamos poder seguir financiando o modelo de saúde com o gasto crescente histórico que temos”, afirmo Bengoa a CartaCapital após participar de um debate no Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa, em São Paulo. “Seguirá subindo 6%, 7% ou 8%, para todos os países: Brasil, Espanha ou os países mais ricos, como Estados Unidos. Todo mundo anda repensando como reconfigurar o modelo assistencial de prestadores para que seja mais eficiente e funcione melhor. Se funciona de forma mais integrada, aparece menos gente nos hospitais e se economiza dinheiro. Então esse dinheiro passa a poder ser usado para novas necessidades, como medicamentes de câncer e hepatite”, disse.

Bengoa atuou como assessor de Obama durante a elaboração da reforma do sistema de saúde norte-americano, por meio da Lei de Proteção ao Paciente e de Assistência Médica Acessível, conhecida como “Obamacare”. O projeto ficou no centro do debate entre republicanos e democratas por proibir os planos de saúde de mudar os valores dos seguros com base no histórico clínico do paciente, se recusar a assegurar um cliente muito caro, ou limitar a quantidade de reembolsos anuais. Em troca, a legislação aprovada estabelece que todos, nos Estados Unidos, têm de aderir a um plano de saúde sob pena de multa. Como não há rede hospitalar gratuita nos Estados Unidos, o objetivo é evitar que milhões de pessoas fiquem sem cobertura. Até o início deste ano, pelo menos sete milhões de pessoas já tinham se inscrito no programa.

Desde que entrou em evidência, o diretor da OMS tem alertado para a necessidade de mudança na forma como os governos e países têm gerido o financiamento da saúde no mundo. Para conseguir uma reforma sustentável, segundo Bengoa, é preciso diminuir a dependência do médico e estender a capacidade do primeiro atendimento a enfermeiros e agentes de saúde. “A população pensa assim (que o hospital é a melhor forma de atendimento) porque foi esse o modelo imposto. Então as pessoas se comportam em função do modelo que temos oferecido”, afirma. “Dizemos que a melhor medicina é que a se faz nos hospitais, mas não. A melhor medicina é um modelo em que a enfermeira me controla em casa o máximo possível e, se realmente necessito, vou ao hospital.” Segundo Bengoa, já há locais em que as mudanças começam a ser feitas. “No País Basco, na Escócia, em algumas partes da Inglaterra, estamos dizendo para as pessoas. ‘Olha, nós vamos ajudar você a controlar sua diabetes, depressão e hipertensão, mas em casa. Vou educar e além disso mandar informações ao centro de saúde de como o paciente está para monitoramento”, conta.

Neste contexto, Bengoa vê com bons olhos o programa Mais Médicos, criado pelo governo brasileiro para importar profissionais de saúde de países vizinhos. Bengoa diz que a ideia pode ser “importante” caso seja pensada para funcionar nos moldes deste sistema, da “medicina primária”. “Se você coloca (médicos estrangeiros para atender) mais em medicina primária e menos em hospitais, com melhor utilização de profissionais de enfermaria, provavelmente não vai necessitar trazer tantos profissionais de outros países”, argumenta.

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