Sociedade

Tico Santa Cruz: de família conservadora a ativista

O músico distanciou-se de valores familiares e hoje é um dos poucos artistas que se posicionam sobre assunto políticos

"Comecei a ver o mundo diferente do mundo que tava me cercando", disse Tico
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O carioca Luis Guilherme Brunetta Fontenelle de Araújo, o Tico Santa Cruz, além de ser famoso por fundar a banda Detonautas Roque Clube em 1997, da qual é vocalista, também ficou conhecido por ser um dos poucos artistas a se manifestar sobre temas polêmicos da política brasileira.

Aos 37 anos, entre um show e outro, o músico reserva tempo para publicar opiniões em suas redes sociais, difundindo suas ideias por entre seus mais de 1,6 milhões de seguidores no Facebook e outros 249 mil do Twitter e 118 mil do Instagram, além de também promover esses debates fora do mundo virtual. A seguir, os principais trechos da entrevista à CartaCapital: 

CartaCapital: São poucos os artistas que se manifestam sobre assuntos políticos ou polêmicos. Por que isso acontece?

Tico Santa Cruz: Muitas vezes o artista é orientado pelo empresário ou outra pessoa a não se expor politicamente. Artista trabalha muito com governo, prefeitura, feiras e eventos, e dependem [do aval do poder público] para poder participar. Então a primeira orientação é: não vamos criar nenhum mal-entendido, nenhum mal-estar com esses administradores. E isso acontece principalmente com os artistas mais populares, que poderiam falar e têm acesso ao grande público.

E quando você se coloca defendendo algumas posições, algumas bandeiras, vocês cria, de certa forma, uma divisão de opiniões e isso pode significar perder o público e se indispor. Nesse aspecto, fica mais confortável você divulgar sua vida privada, o que você faz no dia-a-dia, com questões mais amenas, do que se inserir em um debate político, em algo que possa realmente trazer o outro lado da história. Acho que o conforto faz com que os artistas recuem e não se posicionem tanto.

CC: Mesmo assim você decidiu se posicionar. Por quê?

TC: O Detonautas é uma banda que sempre se manifestou e perdeu muito espaço por isso. No palco eu tinha uma atitude política muito mais forte, depois entendi que a banda não era o lugar para isso, então criei outros caminhos para não misturar o entretenimento com discursos políticos. Deixei o Detonautas para falar com o público sobre música e fazer música sobre política, mas parei os discursos. Criei também um grupo chamado Voluntários da Pátria, que existe desde 2006, em que a gente abre o diálogo com o público de uma maneira mais efetiva.

Com o crescimento das redes sociais, naturalmente a minha palavra começou a ser difundida de uma maneira muito mais intensa. Para quem não me conhece, parece que isso começou agora, mas isso está inserido na minha vida desde a época da faculdade, em 1997, quando fui fazer ciências sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ali já existia um ativismo que sempre esteve conectado à minha personalidade também.

CC: Conte um pouco mais sobre o projeto Voluntários da Pátria.

TC: É um projeto que nasceu dentro de um sarau que acontece no Leblon, onde vários artistas de todos os lugares do Brasil se reúnem. Eu achava aquilo muito restrito àquela faixa nobre do Rio de Janeiro, e quis juntar algumas pessoas e sair de lá, porque era tudo tão rico de informação, literatura, de conhecimento e tantas coisas importantes que não podiam ficar restritas só àquela área.

Um dia, com o professor universitário João do Corujão organizamos um projeto em uma universidade de São Gonçalo, uma área mais humilde no Rio. Três mil pessoas foram ao evento, parecia mesmo um show, e aí a gente abriu o palco, porque o objetivo é mesmo as pessoas se manifestarem, se expressarem, irem para o protagonismo de falarem o que pensam e debater e tirar esse conforto de só observar.

Começamos então a reproduzir a ideia pelo Brasil inteiro. Já fizemos em muitos estados, universidades federais, estaduais, particulares e escolas, até que apareceu a oportunidade de fazer dentro de carceragens, com um projeto chamado Caravana Liberdade & Expressão, junto a artistas como Marcelo Yuka e BNegão.

Fizemos no Complexo de Bangu, nas áreas onde não era de segurança máxima, e também nos complexos penitenciários femininos e junto com o Orlando Zaccone, um delegado que também faz esse trabalho de debates na 52ª DP de Nova Iguaçu, que chegou a ser considerada a carceragem mais violenta e com as piores condições do mundo. O Yuka já estava trabalhando lá dentro tentando quebrar as facções e juntá-los para fazer um serviço voltado para literatura e criar uma biblioteca. 

CC: Você sofre muitos ataques na internet por expressar suas opiniões? Que tipo de manifestação costuma ouvir e quais os assuntos que mais geram polêmica?

TC: No momento em que estou me expondo e essa opinião se torna relevante, tenho que saber lidar com isso. Sofro todo tipo de ataque: ameaças de morte, ofensas às minhas ideias, xingamentos, me ridicularizam, manipulam minhas postagens e tentam tirar a minha credibilidade. Tem páginas [do Facebook] que fazem isso profissionalmente, o que muito me intriga, porque é receber dinheiro, patrocinar link não pra rebater as minhas ideias, mas sim para difamar. Mas faz parte do jogo político, tem que estar aberto a entender como funciona esse mecanismo.

Os temas que mais geram polêmica são os mais tabus, como a redução da maioridade penal e o Bolsa Família, e questões mais ligadas à esquerda em geral. Vejo uma onda conservadora muito forte crescendo. Mas percebo que não é uma onda dessas pessoas [como as que me atacam].

Elas estão na verdade reproduzindo um discurso mais fácil. Não vejo nelas nem a maldade, vejo a vontade de aceitação. ‘Tá todo mundo falando, então vou falar também’, porque é mais fácil reproduzir do que tentar buscar uma coisa mais profunda.  E isso é um perigo, na medida em que manipular a massa pode causar um retrocesso muito grande para o país.

CC: Como se deu a construção das opiniões que você defende hoje?

TC: Cresci numa família de visão conservadora. E eles não são pessoas ruins. Tinham, sim, uma visão estreita de questões sociais importantes. Quando comecei a conviver com outras pessoas e frequentar comunidades, ver outras realidades, comecei a ver o mundo diferente do que me cercava, e comecei a ter uma preocupação um pouco diferente.

Comecei a entender melhor a vida na época da Candelária, quando aqueles menores foram assassinados. As pessoas estavam bradando ‘bandido! bem feito! tem que matar’, aquele discurso típico. E eu pensei: ‘não, vamos ver o que aconteceu, por que aquelas crianças estavam naquelas condições. Na minha adolescência tive a sorte de conviver com pessoas como Gabriel, o Pensador, o Mr. Catra, o MV Bill e outras pessoas que me ajudaram a ver um mundo diferente em relação ao que eu vivia, de classe média alta.

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