Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)

A política migratória de Trump

Hostilidade a estrangeiros nos EUA pode ter reflexos importantes para a América Latina e o Brasil. Evento debate o assunto

Agentes norte-americanos prendem dois imigrantes sem documentos em McAllen, no Texas, fronteira dos EUA com o México, em 15 de março
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Por Kjeld Jakobsen

O presidente dos EUA, Donald Trump, preparou um novo decreto presidencial para barrar o ingresso nos Estados Unidos de imigrantes de seis países de maioria muçulmana. Sua primeira iniciativa apresentada em janeiro, impedindo que cidadãos de sete países (Iraque, Síria, Irã, Iêmen, Somália, Sudão e Líbia) pudessem ingressar no país por 120 dias foi barrada pela justiça estadunidense.

O novo decreto, com validade de 90 dias, emitido em 6 de março, isentou o Iraque e quem tivesse recebido um green card ou um visto até esta data. Apesar destas suavizações, é tão inconstitucional, ilegal e imoral quanto o anterior. Resta ver se os pesos e contrapesos da institucionalidade dos Estados Unidos funcionarão novamente. 

O presidente também decretou o início da construção do muro na fronteira com o México e uma série de outras medidas administrativas começaram a ser implementadas para dificultar a obtenção de vistos para os Estados Unidos e para ingressar no país, como a contratação de 5 mil novos agentes de fronteira e 10 mil inspetores de aduana e imigração, os temidos “migras”.

O muro, por exemplo, além de impedir o ingresso ilegal nos EUA, também visa impedir o contato físico dos imigrantes com os agentes de imigração para solicitar asilo, pois pela legislação estadunidense, se o solicitante tiver fundamentos mínimos para pedir refúgio, não poderá ser deportado enquanto não houver uma decisão judicial a respeito.

Outra medida em estudo é separar mães dos filhos quando famílias inteiras são detidas nas fronteiras e aguardam para serem deportadas. O objetivo é criar insegurança sobre o que poderá acontecer com as crianças para desestimular as mães a fazer novas tentativas de ingresso sem autorização. 

Trump transformou o tema migratório em programa de governo, pois foi sua pregação xenófoba e supostamente defensora dos empregos para os trabalhadores dos EUA durante a campanha eleitoral que lhe deu a vitória ao atrair os votos de trabalhadores brancos em estados industriais como Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin, que tradicionalmente votavam nos candidatos democratas, mas agora, com medo do desemprego, deram os votos ao republicano. Eles serão novamente um elemento importante pelo mesmo motivo quando Trump reivindicar a reeleição em 2020. 

Na campanha eleitoral, os principais alvos foram os potenciais imigrantes muçulmanos e os mexicanos. Os primeiros, pela suposta ameaça à segurança dos EUA, embora de 2006 até hoje, 650 mil cidadãos sírios, iranianos, iemenitas, somalis, sudaneses e líbios vieram aos Estados Unidos e não há notícias do envolvimento de qualquer um deles com atos terroristas ou similares. Os mexicanos foram visados por supostamente disputar os postos de trabalho com os estadunidenses. 

Sem falar que os Estados Unidos, a maior potência mundial, foi erigida com base na migração europeia, africana e chinesa, a realidade atual de sua imigração não justifica os temores xenofóbicos. A retórica de Trump somente serve para enganar os ignorantes e preconceituosos conforme comprovam os dados a seguir.

Aliás, 62% da população estadunidense são contra a construção do muro na fronteira com o México e 35% é a favor. É bom lembrar, porém, que alguns sindicatos se entusiasmaram com o anúncio que o presidente estaria pressionando empresas como a Ford a não abrir novas unidades no México e mantê-las nos Estados Unidos, assim como sua decisão de construir um oleoduto até o Canadá, que havia sido cancelado por Obama em função de controvérsias ambientais. 

Vejamos os dados da imigração levantados pelo Pew Research Center. O total de imigrantes indocumentados nos Estados Unidos declinou de 12,2 milhões em 2007 para 11,1 milhões de 2009 em diante, equivalente a 3,5% da população do país e dos quais 5,8 milhões eram de origem mexicana (52%) contra 5,3 milhões de outras origens.

Destes 11,1 milhões, cerca de 8 milhões trabalham, o que equivale a aproximadamente 5% das pessoas nos EUA que trabalham ou que procuram emprego. Percentuais pouco significativos, portanto.

A imigração mexicana aos Estados Unidos tem declinado, enquanto a de outras origens tem crescido. O número de mexicanos representava 54% dos imigrantes indocumentados em 2007 e caiu para 52% em 2009. Quase 60% deles vivem em seis estados apenas: Califórnia, Texas, Florida, Nova York, New Jersey e Illinois e dois terços, aproximadamente, vivem nos EUA há mais de dez anos, enquanto apenas 7% chegaram há menos de cinco anos, contra 22% de outras origens.

Dos imigrantes mexicanos, 26%, trabalham na agricultura, 15% na construção civil e os demais, principalmente, em diferentes setores de serviços sem representar ameaças de fato ao emprego dos estadunidenses.

Do total de imigrantes nos EUA, 63% são mexicanos, 10% porto-riquenhos, 3,8% com origem em El Salvador, 3,7% cubanos, 3% dominicanos, 2,3% guatemaltecos e 14,2% de várias outras origens, inclusive, brasileiros.

A imigração latino-americana e caribenha em direção aos Estados Unidos deve-se principalmente a conflitos armados como as guerras civis dos anos 1970 e 1980 na América Central, crises econômicas e desastres naturais como os furacões típicos da região do Golfo do México e do Caribe.

No caso de certos países, como El Salvador, Honduras e Guatemala, a imigração transformou-se em fonte importante de divisas. Por exemplo, os salvadorenhos que vivem nos EUA representam um em cada cinco habitantes do país e remeteram cerca de 4,3 bilhões de dólares para casa em 2015, quase 3% mais do que no ano anterior e equivalente a 17% do PIB de El Salvador. 

Um novo fenômeno que está preocupando a área de direitos humanos é a quantidade de crianças e adolescentes desacompanhadas – por convenção, menores de 20 anos – que tentam imigrar para os EUA.

Por exemplo, nos primeiros seis meses do ano fiscal de 2016, foram detidas 32.117 famílias acompanhadas de crianças na fronteira dos EUA, bem como 27.754 crianças desacompanhadas das quais 9.383 eram guatemaltecas, 7.914 eram salvadorenhas e 4.224 eram hondurenhas. Pode-se imaginar os riscos aos quais se submeteram para atravessar a Guatemala e o México, sem falar das dificuldades para atravessar a própria fronteira e o problema do retorno após as deportações.

A política de Trump tem gerado tensão e temor entre os 11,1 milhões de imigrantes indocumentados nos EUA, em particular, a 3,7 milhões deles que têm filhos nascidos nesse país e, portanto, cidadãos estadunidenses que não podem ser expulsos, mas que poderão ser separados dos pais, se estes forem deportados, e entregues a instituições ou pais adotivos gerando dramas adicionais. 

Outro problema é o que significaria o retorno do ponto de vista econômico, social e político, bem como o impacto sobre os mercados de trabalho nos países de origem de todos os imigrantes indocumentados da América Central, do Caribe e, mesmo para países como o Brasil, que atualmente possui uma taxa de desemprego superior a 12%.

A imigração, mesmo que irregular, ao longo de todos estes anos foi um desafogo para a economia e a demografia de países como El Salvador, Honduras, Guatemala, República Dominicana e Cuba. O súbito retorno destes imigrantes geraria uma crise de múltiplas dimensões difícil de solucionar no curto e médio prazo na atual conjuntura mundial de profunda crise. 

As questões migratórias fazem parte dos desafios apresentados por um cenário global em transformação, no qual a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos é um claro divisor de águas paras as relações internacionais de modo geral e, também, para a América Latina, em particular.

Neste sentido, o seminário ‘Impactos da Eleição de Trump para a América Latina e o Brasil’, que contará com transmissão ao vivo pela internet no próximo dia 29/3, propõe refletir sobre estas e outras questões cruciais para a compreensão do contexto que atravessamos e suas possíveis soluções desde um ponto de vista progressista. 

*Kjeld Jakobsen é consultor em cooperação e relações internacionais e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.

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