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Quem é o terrorista que ataca o Ocidente?

Homem, jovem, com histórico criminal e em situação legal. Essas são as características comuns, mas a falta de um perfil definitivo impõe desafios às autoridades

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Do total de ataques terroristas realizados no mundo, a Europa é alvo de uma parte pequena. Como mostrou o Índice de Terrorismo Global 2016, compilado pelo Institute for Economics & Peace, cinco países (Afeganistão, Iraque, Nigéria, Paquistão e Síria) concentraram 72% dos atentados em 2015. A repercussão dos ataques ocorridos no continente europeu é, no entanto, desproporcionalmente alta, por uma conjunção de fatores que vão desde a importância da imprensa local até a sanha dos próprios terroristas por atingir um dos centros do mundo ocidental.

A repercussão vem crescendo nos últimos anos, por conta do aumento do número de ataques no continente europeu. Desde a declaração do califado pelo Estado Islâmico, em junho de 2014, a Europa foi atingida diversas vezes por atentados jihadistas. Segundo o relatório Fear Thy Neighbor – Radicalization and Jihadist Attacks in the West, elaborado por três institutos dos Estados Unidos e da Europa que mediram a ofensiva contra o Ocidente, foram 51 ataques entre dezembro de 2014 e o início de junho de 2017, que deixaram 403 mortos e 1,6 mil feridos. 

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O relatório coletou informações de 65 terroristas, mas não traça um retrato definitivo de quem é a pessoa que ataca o Ocidente. Isso porque o perfil que emerge do documento é extremamente heterogêneo, tanto do ponto de vista demográfico quanto operacional. Ainda assim, o relatório é útil pois ajuda a trazer reflexões importantes, que vão ao encontro de outros estudos sobre o perfil de terroristas.

O primeiro é que o terrorista é, quase sempre, homem – 97% segundo o documento. O segundo é que o terrorista em geral está em situação legal – é cidadão do país atacado (73%) ou residente ou visitante legítimo de um país vizinho (14%). Apenas 5% eram refugiados e 6% estavam ilegais.

O terceiro é que o terrorista costuma ser uma figura conhecida das autoridades por conta de suas atividades anteriores. Segundo o relatório, este era o caso de 82% deles, sendo que 57% tinham ficha criminal e 34% estiveram presos. Este dado salienta um ponto particularmente crítico para a Europa: os serviços de inteligência e segurança locais estão assoberbados e trabalhando no limite.

No caso específico da Espanha, atacada em 17 de agosto, há um outro agravante: a dificuldade de cooperação entre os diversos ramos da polícia espanhola. Trata-se de um erro fatal no contraterrorismo, como sabem bem as agências de inteligência dos EUA que, se trabalhassem juntas, poderiam ter impedido o 11 de Setembro.

O quarto elemento é a juventude. Em média, o terrorista que atacou o Ocidente tinha 27,3 anos, ainda que tenham sido registrados ataques cometidos por menores de idade e por um homem de 52 anos (este em Londres).

Do ponto de vista operacional, os atentados também são heterogêneos. A menor parte deles (8%) teve como origem uma ação direta do Estado Islâmico, mas o mais mortífero (em novembro de 2015 em Paris) estava nesta categoria.

Cerca de um quarto dos ataques (26%) é do tipo “inspirado” pelo Estado Islâmico, no qual o terrorista não tem conexão com o grupo. Muitos classificam esse tipo de criminoso como “lobo solitário”, uma nomenclatura falha pois não leva em conta a ampla e complexa rede jihadista internacional que se organiza em especial pela internet. Cabe lembrar que essa rede é forte, entre outras razões, porque na estratégia do Estado Islâmico há uma evidente tentativa de atrair recrutas no varejo por meio da propagação de sua ideologia.

A maior parte dos ataques (66%) está numa categoria híbrida: são aqueles não ordenados diretamente pelo Estado Islâmico, mas realizados de forma quase independente por seus responsáveis, que têm algum grau de contato com operadores do EI.

O tipo mais conhecido de operador é o que os analistas Alexander Meleagrou-Hitchens e Seamus Hughes chamam de “empreendedores virtuais” do Estado Islâmico. São pessoas habilidosas no uso da internet e de suas ferramentas, geralmente localizadas em bases do EI, e com contatos com as lideranças, que usam as redes sociais para recrutar e criar terroristas.

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No caso de Barcelona, a novidade é que foi usado um quarto modelo, que fora  deixado de lado com a ascensão do Estado Islâmico no lugar da Al-Qaeda como ponta-de-lança do movimento jihadista internacional. Abdelbaki es Satty, imã que radicalizou os integrantes da célula de Barcelona, o fez pessoalmente, atraindo os rapazes um a um, e apostando em um círculo fechado – entre os 12 integrantes, havia quatro pares de irmãos. “[O imã] voltou ao velho estilo Al-Qaeda”, disse ao jornal El País Manuel Gazapo, diretor do Observatório de Segurança Nacional, um centro de estudos. “Não usou a internet, mas sim o cara a cara, reunindo-se com o rapazes em vans ou locais secretos”.

Como se vê, a ameaça do terrorismo no Ocidente, em particular na Europa, é multifacetada e exige uma resposta de múltiplas dimensões. Quem defende propostas simplórias, como banir refugiados, ampliar a repressão ou bombardear a Síria deixa de ver o caráter complexo da questão do terrorismo. Sem diagnosticar corretamente o problema, dificilmente se chegará às soluções mais adequadas a ele.

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