Política

“Sem delação premiada estaríamos nas trevas”

Teor de depoimentos da Odebrecht causará forte impacto político, mas consequências jurídicas serão lentas por causa do foro, diz Oscar Vilhena, da FGV Direito-SP

Ato contra Dilma em março de 2016: a Lava Jato pode acabar, por obra de Temer
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O impacto político após a divulgação da segunda “lista do Janot”, os 83 pedidos de abertura de inquérito que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entregou ao Supremo Tribunal Federal, será infinitamente superior ao impacto jurídico.

Em entrevista à DW Brasil, o professor de direito constitucional e cientista político Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, pontua que, devido ao foro privilegiado, as apurações da Lava Jato envolvendo políticos serão lentas e há o risco real de prescrição.  

Segundo o especialista, o momento é de grande instabilidade política para o governo do presidente Michel Temer, já que o PMDB é parte central das 78 delações de ex-executivos da Odebrecht, incluindo figuras centrais da atual administração. 

Sobre a tentativa de anistia ampla aos políticos, Vilhena diz que o Congresso está acuado e não tem muito a perder. Se votada, caberá a Temer sancioná-la ou vetá-la. “Vai recair sobre o presidente o ônus de dizer se tudo aquilo que foi feito na Lava Jato não vai ter nenhuma consequência jurídica.”

DW Brasil: Quais as implicações que este momento, de divulgação da segunda lista da Procuradoria-Geral da República ao STF, podem ter na política e na esfera jurídica?

Oscar Vilhena: Duas coisas precisam ser distinguidas. Uma é a lista que foi apresentada pelo procurador-geral com os pedidos de inquérito. Quando chegar ao Supremo Tribunal Federal, terá uma análise: se o STF autoriza ou não as investigações e se elas devem ser feitas no âmbito da corte ou encaminhadas para juízes de primeira instância.

É muito possível que destes 80 pedidos de inquérito uma boa parte seja encaminhada a instâncias inferiores. O histórico do Supremo é de bastante lentidão. Os que ele autorizar a abertura de investigação, vai demorar para que se transformem em processo e demorar mais ainda para que resultem em condenação. Então eu diria que o impacto político será muito maior que o impacto jurídico.

E o que vai ter impacto político ainda maior é a suspensão do sigilo sobre os depoimentos dos executivos da Odebrecht. São depoimentos gravados. Isso tem um impacto midiático muito grande, porque você vai ver o próprio executivo dizendo qual era a conduta e, eventualmente, essas condutas vão expor muitos políticos. Vão expor o funcionamento do mecanismo de corrupção dentro destas empreiteiras.

DW Brasil: Este momento já gera várias consequências e articulações no Congresso. Querem finalmente votar uma legislação para regulamentar o lobby, vão aprovar uma anistia e possivelmente mudarão regras do sistema político-eleitoral. Do ponto de vista legal uma anistia é aceitável?

O Congresso já buscou passar uma anistia (em dezembro de 2016) e houve uma reação muito forte da sociedade civil e recuo do Congresso. Agora, na medida em que o Congresso se sente mais acuado, a ousadia pode ser maior. Eles não têm muito a perder. Quando esses depoimentos que virão a público expuserem os parlamentares, os que têm algum pudor reputacional vão perdê-lo.

É real o risco hoje de o Congresso buscar aprovar uma medida como essa. Se eventualmente aprovada, será submetida a sanção ou veto do presidente da República. Vai recair sobre ele o ônus de dizer se tudo aquilo que foi feito na Lava Jato não vai ter nenhuma consequência jurídica porque você tem uma anistia. Não é um ônus simples.

O presidente Michel Temer terá que resolver esse problema, entre manter a sua maioria no Congresso e desagradá-la. Ainda que o faça, certamente no Judiciário isso poderá ser questionado. Não só porque se trata de autoanistia, mas porque o Supremo tem decisões onde já acusou que a lei feita com o propósito exclusivo de burlar a própria lei não tem validade.

Oscar Vilhena Vilhena: Temer terá ônus de sancionar anistia (Foto: Divulgação)DW Brasil: Instalou-se, com o temor da segunda lista do Janot, um debate sobre corrupção, caixa um e caixa dois. Corrupção pode estar associada aos dois casos?

A corrupção é o ato de um funcionário obter algum tipo de vantagem para que ela produza algo que beneficie o corruptor. A origem deste recurso, se foi dado para a pessoa colocar no seu bolso, se foi dado para o partido via caixa dois, ou se foi dado legalmente, é irrelevante para a delimitação do crime de corrupção. A corrupção pode ser determinada para o benefício pessoal, para caixa dois do partido ou, em alguma medida, encoberta pela tentativa de contabilização oficial do recurso. 

O caixa um pode estar associado à corrupção, assim como o caixa dois. O que muitos políticos estão tentando fazer é distinguir o que é corrupção, de um lado, e doação feita por caixa dois. Querem minimizar o fato de que muitos políticos receberam recursos não contabilizados, ou seja, o caixa dois, ainda que não haja demonstração de que ele tenha sido doado com o objetivo de se obter vantagem, ou seja, corrupção.

Só o fato de você receber recursos não contabilizados é um crime em si. O que estamos assistindo é uma tentativa de dizer: ‘Olha, isso é diferente de corrupção’. De fato é diferente, mas ainda assim é delito e merece ser responsabilizado. Pode ter caixa dois sem corrupção, ainda que seja delito, e pode ter caixa um e caixa dois com corrupção. 

DW Brasil: Devido ao foro privilegiado a Lava Jato pode perder seu fôlego?

De fato, no Brasil, temos um sistema de concessão de foro, por prerrogativa de função, muito amplo. O Supremo não é um tribunal institucionalmente adequado para fazer isso e essa é a razão fundamental para a sua imensa lentidão.

Os processos da Lava Jato que estão sendo analisados em primeira instância já têm resultados, ou de absolvição ou de condenação. O fato é que temos no Paraná ou no Rio de Janeiro a justiça federal funcionando e fazendo o seu trabalho.

Os processos que estão no Supremo têm lentidão muito desproporcional à velocidade da primeira instância. Existe um risco de frustração da jurisdição, de não conseguir em tempo hábil levar a cabo esses processos e você ter muitas prescrições. Isso é um risco real.

O Supremo pode convocar juízes auxiliares para que se dê em tempo mais curto possível, colocar isso na agenda, como se deu no mensalão. No momento em que se percebeu o risco da prescrição houve uma força-tarefa dentro do Supremo. Isso ai depender da liderança da presidente Cármen Lúcia e de os ministros encararem que essa é uma questão que o Brasil precisa resolver.

O foro é constitucional. Evidentemente não vejo clima político para que isso seja feito a curto prazo. Não vejo esse Congresso alterando as regras sobre o foro.

DW Brasil: A Lava Jato muda o Brasil muito mais no aspecto jurídico que político ou o impacto nas duas searas é evidente?

A Lava Jato não é um raio que cai do céu, no meio do deserto, num dia de sol azul. É decorrência do fortalecimento da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da própria Justiça, e também da mudança geracional daqueles que ocupam esses órgãos. É consequência das ferramentas que foram estabelecidas em 2013 como reação às manifestações de rua no Brasil.

O Ministério Público e a Polícia Federal passaram a ter equipamentos muito novos. Por isso temos uma investigação com essa dimensão. Se não tivéssemos a delação premiada, estaríamos nas trevas ainda neste combate. A Lava Jato é consequência dessas medidas e do amadurecimento institucional. Amadurecimento esse que a cultura política do país e dos partidos políticos não se deram conta.

É do choque entre um avanço das instituições e da aplicação da lei e de uma visão equivocada do sistema político, que não se modernizou que temos a Lava Jato. Espero que o resultado seja uma mudança da cultura política e do sistema político. E não a derrocada dos avanços na área jurídica.

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