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Qual o projeto do governo Dilma para a EBC e a comunicação pública?

Em reunião com o Conselho da empresa, ministro Edinho Silva refuta acusações de ingerência, mas deixa claro o poder da Secom sobre os canais públicos

Edinho Silva na reunião do Conselho da EBC: "Não vejo distinção entre a TV Brasil e a NBr"
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Por Bia Barbosa*

Se você acompanha este blog, já deve ter lido diversos artigos sobre a preocupação do Intervozes – e de várias outras organizações que lutam pela democratização da mídia no Brasil – acerca da confusão entre comunicação pública e estatal por parte do Palácio do Planalto. No início de fevereiro, o tema da autonomia dos veículos da EBC, entre eles a TV Brasil, em relação ao governo voltou à tona, com o pedido de demissão conjunta do presidente da empresa pública, Américo Martins, do diretor-geral e da diretora de produção.

Apesar de Américo alegar razões pessoais para se afastar do principal instrumento de comunicação pública do País, ficou claro para todos que a interferência do governo na gestão da EBC tinha ultrapassado limites.

Na quarta-feira 24, o ministro Edinho Silva, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República – à qual a EBC está legalmente vinculada –, participou da primeira reunião do Conselho Curador da empresa após a saída de parte da direção. Quase um mês depois, a Empresa Brasil de Comunicação segue sem comando definido e o presidente interino Mário Maurici sequer foi nomeado oficialmente no Diário Oficial.

Para uma empresa que vive talvez a pior crise de sua história, o Conselho Curador foi até condescendente com o ministro. Os conselheiros – em sua maioria vindos da sociedade civil – manifestaram preocupação com os rumores de ingerência, mas ficaram longe de cobrar do governo federal uma resposta concreta aos casos de quebra de autonomia da empresa.

A posição dos trabalhadores e funcionários, manifestada por meio de uma nota entregue a Edinho, felizmente foi além, denunciando o claro aparelhamento dos veículos por meio de gestores indicados pela Secom ou saídos diretamente de seus quadros.

“A prática, apelidada internamente de “cabidão”, foi pauta central da greve de 10 dias que mobilizou quase 1000 trabalhadores da EBC em novembro de 2015. A indicação de nomes para compor os quadros da empresa ocorre sem transparência, sem critérios claros quanto ao compromisso com a Comunicação Pública. E sem que haja diálogo com a sociedade e com os empregados do quadro efetivo. Na prática, tal interferência na gestão da EBC acaba por prejudicar a isenção na produção de seus conteúdos. Os empregados e empregadas da casa percebem um aumento do predomínio dos interesses da comunicação estatal no noticiário da casa, além de maior demanda produtiva de veículos do Executivo, como TV NBR e Voz do Brasil, mesmo que, para isso, sejam realocados recursos do “braço” da Comunicação Pública, como, por exemplo, da TV Brasil”, afirma o documento.

O detalhamento das despesas com a EBC Serviços (braço da empresa responsável pela execução da comunicação estatal) foram, inclusive, solicitados uma vez mais pelo Conselho Curador.

Edinho não gostou do questionamento e, apesar da cordialidade dos conselheiros, respondeu aos comentários feitos subindo o tom do debate. “Não aceito posição de antagonismo. Estamos do mesmo lado do balcão. Não vou vestir essa carapuça. Autonomia não se faz por decreto, isso é construção política. Mas não vou lutar sozinho para que este projeto seja vitorioso”, avisou.

“Tenho lutado para melhorar a eficiência e a capacidade de gestão interna, para ter respaldo para defender o projeto dentro do governo. Quero mostrar a evolução do projeto e seu potencial de avanço, para tirá-lo do papel, para que a EBC se torne fundamental para o projeto de Estado e de consolidação da democracia”.

O que Edinho não deixou claro é que projeto é esse. Ou melhor, deixou, nas entrelinhas, para o espanto de todos os que acompanhavam a reunião. Apesar de afirmar que não quer “discutir o que entra no jornalismo e o conteúdo” e que “nunca fez um telefonema para os diretores”, fez questão de afirmar que, se não tivesse se envolvido pessoalmente, a transmissão do Desfile das Campeãs do Carnaval do Rio – que rendeu bons pontos de audiência e elogios à TV Brasil – não teria saído.

“Se o governo não entrar, vamos vencer os empecilhos da próxima vez? Se é assim, então eu não me envolvo! Mas este não é o meu perfil”, admitiu. Em meio a uma crise de autonomia, o ministro chegou a declarar que “não vê distinção entre a TV Brasil

e a NBR [estatal]”.

E agora?

As repercussões do discurso do ministro – que, logo após responder aos primeiros questionamentos dos conselheiros da EBC, levantou e foi embora – não foram nada boas dentro da empresa. Na reunião do Conselho Curador, que continuou na quinta-feira 25, a presidenta do Conselho, Rita Freire, falou em mistura de papeis e criticou a ausência de distinção de Edinho Silva entre a TV Brasil e a NBR.

“Lutamos pela complementariedade entre os sistemas, então é claro que há papeis distintos entre a comunicação pública e a estatal; isso inclusive está na lei que criou a EBC”, disse Rita. “A fala do ministro nos trouxe questões que exigem um posicionamento do Conselho”, acrescentou.

Para Pola Ribeiro, secretario de Audiovisual, representante do Ministério da Cultura no Conselho Curador da EBC, “a emissora perde credibilidade e a sociedade se sente traída quando liga um canal que acha que é público e vê discurso de governo passando”.

“A confusão no governo continua. Não é possível continuarmos dizendo que há um problema sério e não fazemos nada. Temos que dar consequências às nossas reflexões, apresentar uma proposta concreta, nem que ela passe por uma mudança da lei”, alertou Ana Fleck, conselheira ex-presidenta do colegiado.

As pistas para tais propostas já estão há tempos na mesa. Muitas foram sistematizadas no seminário sobre modelo institucional, organizado pelo próprio Conselho, em agosto de 2015.

Algumas, como foco na questão da autonomia, voltaram a ser apresentadas a Edinho na quarta-feira: estabelecimento prévio de critérios para a escolha do presidente da EBC; formação de lista tríplice pelo Conselho para a nomeação futura pela Presidência da República; quarentena para ex-funcionários da Secom trabalharem na EBC; divisão clara entre a área de serviços da empresa (que trabalha para o governo federal) e os veículos públicos; cargos de chefia ocupados por empregados concursados da casa.

O ministro não comentou nenhuma delas. Para ele, o Conselho Curador deve ser o guardião do que chama de “projeto da EBC”. Cabe agora ao Conselho assumir, de fato, o papel que a lei lhe confere e que a sociedade tanto espera.

Para que o projeto da EBC a vingar seja aquele historicamente reivindicado por amplos setores que defendem e constroem a comunicação pública no país – e não o de uma gestão que até hoje não compreendeu o papel de cada segmento para a construção de um sistema de comunicação plural e democrático no Brasil.

Não será tarefa fácil. Ao final da reunião desta quinta, Maurici informou ao Conselho que sua nomeação – como interino ou definitivo – pode sair a qualquer momento. Sinal de que nada do que foi sugerido será colocado em prática nessa sucessão da EBC, com o Conselho Curador, os funcionários e a sociedade seguindo alijados deste processo.

* Bia Barbosa é jornalista, mestre em políticas públicas e integrante da coordenação do Intervozes.

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