Economia

A legalização da maconha e a economia

E se em vez da repressão e da violência tivéssemos uma nova cultura relevante na agricultura nacional?

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Quem não quis ter, teve ou promete futura posse de terra para cuidar de uma horta? Foi assim comigo quando comprei, em 1991, a 3ª edição do livro As ervas do sítio (M*A*S/São Paulo), de Rosy L. Bornhausen, falecida em 1998. Com ela aprendi a plantar e usar alecrim, arruda, babosa, calêndula, camomila, cebolinha, coentro, hortelã, manjericão, poejo, salsa, tomilho, e tantas outras ervas. O livro já está na 12ª edição, prova de ser boa leitura, prático, belas ilustrações e alto interesse.

Qual motivo me fez fuçar nas estantes desorganizadas da casa pelo livro de Rosy? Uma curiosidade boba, pois improvável. Mesmo passando por águas perfumadas, chás, óleos essenciais e muitas ervas finas, teria ela lembrado das medicinais e nelas incluído a mais discutida, Cannabis sativa? Não. Talvez, sendo ela de família tradicional, achasse a maconha grosseira.

Poderia citá-la entre as medicinais, já que seus efeitos analgésico, paregórico, antiemético (evita o vômito), antiespasmódico, calmante do sistema nervoso, estomático, narcótico, sedativo e tônico, são conhecidos há décadas e os avanços da medicina têm levado mais longe. Na produção de papel, tecidos e medicamentos a cultura do cânhamo data de 8.000 a.C., na China.  

De toda a forma, mesmo não citada entre as herbes de Provence, maconha é “a erva”, no mesmo sentido de que lâmina de barbear é gilete. Generalizou o termo para si: “ô tem erva da boa, hoje … que preço faz para 10 gramas de erva”? Ninguém perguntará se o cliente procura confrei ou cerefólio.

Em 2015, no Brasil, foram plantados perto de 450 mil hectares de fumo em folha para tabaco legal. Produção de 900 mil toneladas e produtividade de 2.000 kg/ha, gerando receita de 6 bilhões de reais para o campo, o que fez o tabaco in natura render ao agricultor 6,70 reais por quilo, perto de sete centavos por grama.

Dependendo do papel e do tipo de tabaco um cigarro pode pesar, em média, 2,2 gramas. Se um maço com 20 unidades de boa qualidade é vendido em torno de nove reais podemos dizer que o fumante paga o grama do tabaco lá contido 23 centavos. Uma agregação de valor três vezes maior. Isto, para um produto anunciado e cientificamente provado provocar câncer, impotência, gangrena, bafo de onça e escurecer os dentes.

Contas como essa fazem entender o motivo por que, apesar de tanta campanha contrária e proibição de publicidade, a indústria do tabaco suporta qualquer antagonismo. Afinal, como o álcool, é uma droga que goza da legalidade e, em alguns países, até de incentivos econômicos.

Já a Cannabis, que gradativamente vai-se infiltrando nos meandros legais é posta ilegal em rol quase semelhante ao de outras drogas mais pesadas. Justamente por isso agrega ainda mais valor, faz do tráfico vitorioso e dissemina a violência.   

Hoje em dia, na ilegalidade, compra-se maconha de razoável qualidade por cinco reais o grama. Dá para dois baseados. O valor agregado cresce mais de 20 vezes em relação ao cigarro.

Na década de 1990, com 75 reais comprava-se 50 gramas. A repressão fez aumentar o valor e a guerra. Na década seguinte, esse valor já tinha quase dobrado.

Em junho deste ano, referi-me na coluna ao documentário Guerras Alheias, que discute o bombardeio químico sobre populações rurais plantadoras ilícitas de coca. São condenadas a viver na pobreza e logo morrer.

No Brasil, segundo estudo da Universidade Federal de Juiz de Fora, 40% do cultivo da maconha se dá nos médio e sub médio São Francisco (Polígono da Maconha). O quadro de miséria e violência é o mesmo que o da produção de cocaína. Nos dois casos, quem planta alega falta de apoio técnico e comercialização do governo para os cultivos permitidos.  

Fato é que são fortes os movimentos no planeta em prol da legalização da maconha, o que faz crescerem estudos técnicos sobre a necessidade do plantio em ambientes quentes e ensolarados, luzes e cultivo artificiais, variedades adaptadas através de melhoramento genético, milhares de tipos e híbridos.

O cânhamo é uma cultura de primavera. Tem emergência rápida (cinco a oito dias no máximo) e aos 80 atinge cerca de 1,80 m. É resistente a pragas e doenças e se desenvolve bem com tratamentos de adubação orgânica, quase sem trabalhos de manutenção. O ciclo da cultura é de 110 a 120 dias. Não é exigente em água e a colheita exige maturação ótima e secagem imediata.

Conforme área, solo fértil e clima a produtividade da cultura pode atingir até uma tonelada por hectare, mas a média brasileira, pela ilegalidade, não chega a 50% desse potencial. Produz-se o óleo de cânhamo para uso industrial e as palhas que devem ser ceifadas, fenadas, enroladas, e mantidas em abrigo. O rendimento da palha é em média 4,2 t/ha e o preço varia em função da qualidade.

O fumo é a oitava cultura mais plantada no Brasil. Representa 2,5% do valor bruto da produção dos 65 principais plantios. Legalizada e em bases econômicas o que poderia representar para a agricultura do País? 

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