Economia

Propostas de reforma da previdência

Extinção da contribuição que tem a mesma base de cálculo do IRPF, cobrando apenas este e destinando parte à previdência, geraria imposto mais progressivo

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Não se pode negar o déficit da previdência com base na arrecadação de PIS, COFINS e CSLL. Segundo o art. 194 da Constituição (CF/88), a seguridade deve garantir direitos à saúde, à previdência e à assistência social.

Do seu orçamento, saem fundos para o SUS, que tem estado deficiente desde o fim da CPMF. Não é o caso de recriá-la, posto que mede mal a capacidade econômica, é cumulativa e regressiva. O sistema brasileiro já estourou seu grau de regressividade há tempo.

O fato é que o dinheiro precisa sair de algum lugar. O PIS está vinculado pelo art. 239 da CF/88 ao pagamento do seguro-desemprego, de abonos a empregados e a programas de desenvolvimento pelo BNDES.

Se muita receita da COFINS e da CSLL for colocada na previdência, faltará à saúde e aos programas sociais. Como na maioria dos países, a previdência brasileira foi pensada para ser financiada por duas contribuições que deveriam suportar os benefícios pagos, mas isso não acontece.

Não são necessários tributos específicos para financiar a previdência. O art. 195 da CF/88 diz que a seguridade é financiada por aquelas contribuições ali previstas, mas também pelo orçamento dos entes federativos. O financiamento por empregado e empresa deveria ocorrer via um tributo mais equânime (Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF) e um mais eficiente (um futuro Imposto sobre o Valor Agregado – IVA).

O dogma de que estamos atrelados a tributos específicos para a previdência e que as alíquotas não podem ser mais progressivas contradiz os princípios de política tributária mais aceitos no mundo. Optando-se por uma previdência financiada por tributos, deve-se conjugar normas de política previdenciária e tributária.

O sistema brasileiro não é de poupança, pois consiste na contribuição dos ativos para pagar benefícios atuais aos inativos. A forma de financiar esse sistema pode ser qualquer uma que arrecade muito, estimule o trabalho e seja justa, mas não é o caso atual.

Não há qualquer razão para se exigir uma alíquota de 8% de quem ganha 880 reais e uma alíquota de 11% de quem ganha 35.000 reais, como ocorre hoje. É injusto e ineficiente.

As atuais alíquotas de 8%, 9% e 11% foram estabelecidas há décadas e sequer são marginais. A tributação progressiva deve se dar com alíquotas maiores para cada 1 real acima do teto da faixa anterior, impedindo que valha mais a pena ganhar alguns reais a menos para pagar bem menos tributo.

Proponho a extinção da contribuição que tem a mesma base de cálculo (o salário) do IRPF, cobrando apenas este último e destinando uma parte da arrecadação à previdência.

Haveria um IRPF mais progressivo, chegando a mais de 40%, diluindo de forma eficiente o financiamento da previdência ao longo da pirâmide de renda. Essa proposta só faz sentido com o fim da isenção dos dividendos, é claro.

A faixa de isenção da tabela do IRPF também deixaria de existir e a primeira alíquota poderia ser 3%, de modo que a maior parte dos trabalhadores, que ganham até um pouco mais de um salário mínimo, não contribuísse à previdência por uma alíquota de 8%, ficando elevada a sua renda líquida e, portanto, a demanda agregada na economia.

Isso resolveria, de uma só vez, o problema do péssimo desenho das alíquotas atuais da contribuição, aumentaria muito a progressividade e simplificaria o sistema.

É erro grave cobrar dois tributos sobre bases de cálculo idênticas ou semelhantes. Quando acontecer, como no caso de IRPF e contribuição previdenciária, IRPJ e CSLL, e de PIS e COFINS, deve haver imediata fusão dos tributos e boas normas para repartição de receitas.

Com menos tributos, contribuintes economizam e ganham eficiência, pois têm menos deveres acessórios; fiscos têm menos tributos para fiscalizar, o que aumenta a eficiência e reduz as despesas estatais, sendo maior a arrecadação líquida; ambos ganham também com a redução do contencioso; enfim, a sociedade inteira ganha bastante.

A mania brasileira de marcar (earmarking) a arrecadação dos tributos para um fim é criticada na literatura de política tributária avançada e vem desaparecendo na prática. O objetivo maior sempre foi usar os destinos da arrecadação como desculpas para a instituição de novos tributos, facilitando sua aprovação, o que gerou o sistema tributário mais complicado e ineficiente do mundo.

Com alterações constitucionais na repartição de receitas do IRPF, a arrecadação da previdência poderia ser maior, deixar uma sobra para a saúde e a assistência, e talvez para uma redução e unificação do PIS/COFINS.  

Há várias formas de fazer isso. Uma delas é manter os artigos 157 e 158 da CF/88 inalterados, de modo que as novas alíquotas do IRPF levariam a um aumento de arrecadação de estados e municípios, possibilitando uma redução no ICMS, fazendo cair um pouco a imensa tributação regressiva, o que estimularia a economia.

Seria necessária, contudo, uma alteração no artigo 159 da Constituição, que destaca 49% do IRPF para os fundos de participação de estados e municípios.

Com o grande aumento de arrecadação, seria realizado um cálculo para destinar a mesma quantidade de receita aos fundos, estabelecendo um percentual menor do que 49%.

Não é preciso fixar um percentual para a previdência, pois as receitas não devem ser amarradas. A União Federal tem a obrigação de pagar os benefícios de qualquer forma. O que vai garantir o pagamento é um bom sistema e as boas práticas fiscais. Ainda que se endivide, o Estado tem que pagar os benefícios, como vem acontecendo.

O financiamento da previdência viria da arrecadação do “novo” IRPF, com alíquotas bem mais progressivas, e, caso preciso, haveria complementação com receitas de outros tributos. Para que não seja preciso, deve-se revisar a sistemática dos benefícios.

A aventada proposta de desvinculá-los do salário mínimo pode ser boa ou ruim. É amplamente aceito que a aposentadoria tem como uma de suas funções redistribuir renda e o faz de forma mais eficiente do que em casos nos quais pessoas ativas recebem a renda e podem ficar desestimuladas a trabalhar.

Mesmo apesar dos aumentos reais nos últimos anos, o salário mínimo brasileiro é muito baixo. Caso passe a receber menos do que o mínimo, o idoso terá problemas para se financiar.

A desvinculação deve se dar só para benefícios a partir de um determinado valor, ou será criada uma massa de pessoas idosas com pouca renda, que será um peso à sociedade, havendo redução de demanda agregada. Pagar benefícios abaixo do mínimo é uma forma clara de aumentar a já anacrônica desigualdade do país e prejudicar a economia.

Mais adequado seria reduzir as atualizações de quanto é pago aos que tiveram uma renda alta ao longo da vida. O teto atual do sistema é 5.189,82 reais. Um servidor público ou um executivo com remuneração acima de 15.000 reais, como existem milhões hoje, não precisa receber uma aposentadoria do Estado de mais de 4.000 reais. Ele deveria poupar e investir ao longo da vida para que pudesse financiar a sua fase idosa.

Alemanha, Finlândia, Portugal e outros países têm estabelecido regras para redução dos benefícios na medida em que a idade da população aumenta. O Brasil deve seguir essa linha, reduzindo benefícios de quem teve mais renda ao longo da vida.

A previdência pública deve garantir uma renda mínima a todos. Para quem quiser ter luxo, o valor do benefícios deve ser complementado por um sistema complementar progressivo de capitalização a ser criado pelo governo e/ou a partir de mais incentivos à poupança e ao investimento ao longo da vida.

Complementariam a reforma a unificação das idades de homem e mulher, e o aumento do limite para 65 anos, evitando que as pessoas parem de trabalhar cedo, além de uma nova forma de cálculo do benefício que considere 100% do período de contribuição, e não apenas 80%, vinculando-o melhor aos benefícios. Para estimular o trabalho e o pagamento do imposto, deve receber mais benefício quem trabalhou por mais tempo e quem pagou mais IRPF ao longo da vida.

*Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology.

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