Economia

Rui Daher: “Os pequenos agricultores estão sendo sacrificados”

Em entrevista, o consultor fala sobre as perspectivas do agronegócio para 2017 e sobre seu novo livro de crônicas, ‘Dominó de Botequim’

Apoie Siga-nos no

O agronegócio deve apresentar expansão de 2% em 2017, segundo estimativa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em suas projeções, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) confirma o cenário positivo para o setor, o primeiro a recuperar a confiança dos empresários, enfatiza a entidade.

Na avaliação de Rui Daher, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola e colunista da CartaCapital, realmente existem sinalizações positivas para o agronegócio, mas também fortes incertezas e ameaças.

“O plantio foi muito bom, o clima está colaborando. O câmbio também é favorável, sobretudo em relação àquela época em que o dólar estava cotado a 2,4 ou 2,6 reais”, observa. “Tenho, porém, algumas dúvidas sobre o futuro. Os produtores rurais não têm controle sobre duas variáveis importantíssimas na hora da comercialização: o preço no mercado externo, que depende muito da produção norte-americana e argentina, do apetite chinês em comprar, e como estará o câmbio”.

Para os pequenos agricultores, o cenário é bem mais adverso. “Eles estão sendo sacrificados. Padecem com a falta de apoio técnico, com o fim de financiamentos a juros mais favoráveis e também com a falta de escoamento da produção”, alerta.

Na entrevista a seguir, Daher analisa as perspectivas para o agronegócio em 2017 e fala sobre o livro de crônicas Dominó de Botequim, sua primeira aventura pela literatura.  “Estou adorando a experiência”.

CartaCapital: O otimismo da CNA e da Fiesp é justificável?
Rui Daher: De fato, quando você olha a agropecuária pelo lado das commodities, há sinalizações positivas. O plantio foi muito bom, o clima está colaborando. O câmbio também é favorável, sobretudo em relação àquela época em que o dólar estava cotado a 2,4 ou 2,6 reais. Como o preço das commodities agrícolas está estável, a soja está cotada a 10 dólares na Bolsa de Chicago (EUA), a remuneração está muito atrativa.

Tenho, porém, algumas dúvidas sobre o futuro. Os produtores rurais não têm controle sobre duas variáveis importantíssimas na hora da comercialização: o preço no mercado externo, que depende muito da produção norte-americana e argentina, do apetite chinês em comprar, e como estará o câmbio. Com toda essa instabilidade política e econômica no Brasil, ninguém sabe o que pode acontecer.

“Trump acena para um protecionismo extremo, o que pode ameaçar nações como Brasil e Argentina, que não possuem tanto poder de barganha na negociação”

CC: O agronegócio é muito dependente do mercado externo. A emergência de governos de cunho mais nacionalista, como Donald Trump nos Estados Unidos, não representa também uma ameaça para o setor?
RD: Esse é o terceiro ponto que o agronegócio brasileiro não está olhando com a devida atenção. Vira desses países uma onda de ações de protecionismo, há um claro movimento antiglobalização. Os produtores e exportadores de bens primários deverão sofrer com barreiras comerciais, tarifárias, ainda mais após a mudança ocorrida nos EUA. Trump acena para um protecionismo extremo, o que pode ameaçar nações como Brasil e Argentina, que não possuem tanto poder de barganha na negociação.

CC: A Argentina também não têm lançado mão de políticas de protecionismo, em relação a carne brasileira, por exemplo?
RD: Sim, sim. A competição não ocorre apenas entre os hemisférios norte e sul, também acontece na relação sul-sul. As disputas entre Brasil e Argentina são emblemáticas, porque esses países têm o mesmo perfil de produção de grãos e também competem na pecuária.

CC: Diante desse cenário, o que recomendar ao produtor?
RD: Tenho recomendado em meus artigos uma proteção preventiva em termos de custos. Não faz sentido ceder tanto às multinacionais em insumos e tratamentos convencionais, porque há muitos produtos brasileiros capazes de substituí-los a um custo muito menor, mas prevalece o estigma do produto natural, do orgânico, e os caras não acreditam. A Vale acabou de vender para a americana Mosaic a última mina de potássio, ficamos totalmente dependentes desse insumo.

No médio prazo, a agricultura pode passar pelos mesmos problemas que vivenciou em 2005, quando se endividou terrivelmente, por conta da queda dos preços, e teve de recorrer à renegociação de dívidas com o Tesouro Nacional. Mas eu não vejo a CNA falando nisso, a Fiesp falando nisso, tampouco o Ministério da Agricultura, chefiado por Blairo Maggi.

CC: E os pequenos produtores?
RD: Esses estão liquidados. O produtor de hortaliças, de frutas, de gêneros alimentícios em geral… O fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário, com todas as políticas que eles tinham para esse segmento, é muito preocupante. Esses produtores já vinham sofrendo há uns três anos, é um mercado que olho com lupa. O pequenos agricultores estão sendo sacrificados. Padecem com a falta de apoio técnico, com o fim de financiamentos a juros mais favoráveis e também com a falta de escoamento da produção. Quem é pequeno precisa de um canal de distribuição para garantir um preço mínimo dos produtos, senão quebra.

“O pequenos agricultores estão sendo sacrificados. Padecem com a falta de apoio técnico, com o fim de financiamentos a juros mais favoráveis e também com a falta de escoamento da produção”

O desestímulo é tão grande que muitos desistem de produzir. Aí o preço do tomate ou do feijão dispara e o Jornal Nacional os acusam de serem os grandes vilões da inflação. E mais uma vez o pequeno agricultor é prejudicado, situação agravada em regiões mais pobres ou desfavorecidas pelo clima. O suporte financeiro e o apoio técnico nunca será oferecido pela iniciativa privada, que tem a vocação de negociar em volumes altos.

A indústria de fertilizantes químicos e agrotóxicos deita e rola nessa hora, porque eles têm um poder de divulgação, uma massificação de resultados, impõem o que querem. Nos bancos, os agricultores já não tem onde captar dinheiro. Muitos estão com as terras hipotecadas, porque as instituições financeiras exigem garantias reais.

CC: Em que medida a instabilidade política agrava o problema? As delações da Odebrecht prometem implicar de A a Z do espectro político.
RD: E se não implicar de A a Z, o País para, embora possa parar em ambas as situações. O PMDB e o  PSDB estão completamente implicados, tanto quanto o PT. Isso terá uma implicação muito forte. Tenho a impressão de que as eleições acabaram sendo antecipadas, seja de que forma for, e isso também representará uma interrupção da atividade econômica.

O governo não está investindo. Sem demanda, não há produção. Sem produção, falta emprego. Sem emprego, não existe renda. Sem renda, não temos consumo. Essa política de austeridade fiscal só agrava o problema, o mundo inteiro caminha na direção contrária. O Brasil volta aos mesmos remédios ortodoxos que puxou a demanda interna para baixo. E se o mercado externo se complicar, pelas razões que conversamos anteriormente, aí a situação vai se agravar ainda mais.

CC: Que impacto a elevação da idade mínima para a aposentadoria pode ter no campo?
RD: A implicação é enorme. Na Constituição de 1988, criou-se uma aposentadoria com os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos, o que era justo, mas com cinco anos a menos para a concessão do benefício. Por que fizeram isso? O trabalho no campo é absolutamente diverso do urbano. No campo, as pessoas começam a trabalhar mais cedo, 70% antes dos 14 anos de idade, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). As jornadas são maiores: essa gente começa às 4 da manhã e vai até às seis, sete horas da tarde. Nas pequenas cidades, a aposentadoria rural é uma importante fonte de renda, estimula o consumo.

CC: Vamos falar um pouco sobre o seu livro de crônicas, Dominó de Botequim. Como surgiu a ideia dessa aventura pela literatura?
RD: Por um bom tempo, publiquei crônicas no Terra Magazine, do Bob Fernandes, e no GGN, do Luís Nassif. As histórias se passavam no botequim de um português, onde se jogava dominó e conversa fora. Percebi que essas histórias tinham começo, meio e fim. Primeiro, os causos do narrador até o fechamento do estabelecimento, quando o português decidiu abandonar o negócio e correr atrás de uma herança. A segunda parte do livro trata do movimento dos amigos do botequim, que queriam reabrir o local. Por fim, há uma hipotética e magistral reinauguração, que abre caminho para uma nova série de crônicas.

A obra traz uma série de situações e personagens muito típicos do Brasil, de um militar reformado à estudante de Letras da USP. Sempre procurei explorar bastante o humor nessas narrativas. Tivemos um lançamento na Livraria da Vila, em São Paulo. Agora vou ao Rio de Janeiro e Curitiba. Estou adorando a experiência, a minha primeira aventura pela literatura.

CC: E essa nova série de crônicas vem para o site de CartaCapital?
RD: As novas crônicas virão, sim, com certeza. Tenho a CartaCapital como grande referência de leitura, uma boa conselheira para todas as horas. E também tenho um grande apreço pelo pessoal da redação que me ajudou na publicação do livro, como Sergio Lirio (diretor-executivo), Pilar Veloso (diretora de arte), que fez a capa, e o Ali Onaissi, coordenador da revisão. Uma turma muito bacana e competente.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.