Economia

“Sem mudanças regulatórias câmbio não se sustenta”

Desregulado, câmbio deve continuar volátil. A avaliação é de Pedro Rossi, economista da Unicamp.

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O real desvalorizou 50% em relação ao dólar em 2015, mas neste ano valorizou 15% até sexta-feira 6 e há total insegurança quanto a possibilidade de estabilizar uma taxa de câmbio competitiva para as empresas. Os juros muito altos, somados aos mercados de derivativos, de alta liquidez, tornam a taxa de câmbio brasileira uma das mais voláteis do sistema internacional e impedem seu uso como ferramenta para o desenvolvimento.

O Banco Central não consegue fazer frente ao mercado por não ter um aparato regulatório e, nessas condições, resta assistir ao novo escorregão do real e a mais um ciclo de apreciação por conta de um otimismo do mercado que pode ser infundado. A avaliação é do economista Pedro Rossi, da Unicamp, nesta entrevista concedida à CartaCapital.

Confira os principais trechos da entrevista. 

CartaCapital – O senhor tem defendido mudanças institucionais e regulatórias no câmbio. Qual o motivo e quais são elas?

Pedro Rossi – Sem essas mudanças, o câmbio não se sustenta. A principal delas é a redução da simetria entre o mercado futuro e o mercado à vista, ou a oneração das posições no mercado futuro. Com liberdade para operar no mercado futuro, os agentes escapam a uma regulação que é mais forte no mercado à vista.

E há um grande incentivo para operações de carry trade (nota da redação: de ganhos com o diferencial de juros interno e externo, proporcionais à alta dos juros e do dólar). Em geral, quem faz carry trade aproveita ondas de otimismo, mesmo aquelas de curta duração, para provocar tendências de curto prazo. Por vezes, essas tendências de curto prazo se somam, provocando tendências de mais longo prazo.

CC – Por que o câmbio brasileiro é um dos mais voláteis e facilmente manipuláveis do mundo, presa fácil inclusive de grandes bancos estrangeiros como se viu algum tempo atrás?

PR – Essencialmente, o problema do real é ser uma moeda associada a uma taxa de juros muito alta, portanto a um diferencial de juros excessivamente elevado. Além disso, a configuração institucional favorece a atração de capitais especulativos. São esses dois elementos que explicam uma volatilidade maior do real, tanto no curto prazo como na formação de tendência de médio prazo.

CC – Como regular esse mercado?

PR – A formação da taxa de câmbio é extremamente complexa, por envolver diversos mercados. Regulá-lo e torná-lo mais estável exige, portanto, focar todos os seus componentes.

CC – Houve ao menos tentativas de regulação?

PR – A moeda brasileira sofreu com os ciclos, em particular com a apreciação muito forte de 2009 a 2011. Em janeiro de 2011, o governo inseriu novas medidas que afetaram a dinâmica de arbitragem e especulação entre mercado futuro e mercado à vista. A primeira delas foi a oneração da posição dos bancos, que estavam formando posição vendida em dólar à vista e fazendo a contraparte do especulador no mercado futuro. Em julho do mesmo ano, o governo colocou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre a posição dos investidores estrangeiros em derivativos.

CC – Quanto tempo duraram essas medidas?

PR – Até o mercado de câmbio virar e o ciclo de liquidez internacional apontar para outra direção. A partir de 2012, quando houve uma depreciação mais forte do real, o governo foi retirando aquelas medidas, que só funcionavam para reter uma apreciação do real. Não funcionavam no sentido inverso. A política cambial do BC, que são os swaps e as reservas, passaram a funcionar de forma muito menos eficaz. Enquanto havia a regulação sustentando, o mercado não conseguia fazer frente ao BC, com as intervenções diárias que são instrumentos de manutenção da taxa de câmbio.

CC – No segundo semestre de 2012, o mercado acusava o BC de ter uma banda cambial.

PR – O real flutuava entre 2,00 e 2,05. Havia aquela regulação montada e o BC fazia swap num sentido, swap no outro, um pouco de reserva num sentido, um pouco no outro, e o mercado não conseguia tirar do BC essa banda. Que ele na verdade impôs de forma implícita.

CC – Quando ele retirou, o que aconteceu?

PR – Aí a moeda brasileira começou a depreciar muito, também por fatores externos. Houve a crise grega, depois o aumento dos juros americanos, bastante sinalizado. O real se depreciou, mas com elevada volatilidade e a eficácia dos instrumentos de swaps e reserva foi, e continua sendo, muito menor. O BC não consegue fazer frente ao mercado porque não tem aparato regulatório. Assistimos a uma nova escorregada do real, mais um ciclo de apreciação, por conta de um otimismo do mercado que pode ser infundado.

CC – Qual a tendência, sem aparato regulatório?

PR – A taxa de câmbio do real diante do dólar fica como uma biruta ao vento, isto é, ao sabor do mercado, do ciclo de liquidez internacional, sujeito às motivações financeiras. Não há controle dessa ferramenta de política econômica e de desenvolvimento.

CC – Como vê os resultados, até agora, da decisão anunciada em março pelo Banco Central, de reduzir a intensidade de venda de contratos de swap cambial?

PR – Os swaps cambiais são instrumentos importantes, mas a condução da política cambial no Brasil foi equivocada nos últimos anos. Quando o Banco Central vende ou compra dólar futuro por meio de swaps, ele faz muito mais do que “oferecer hedge para os agentes privados”, como repete o discurso oficial. Essas operações permitem aos agentes se posicionarem de forma especulativa na posição oposta àquela do BC. Quando essas posições somam montantes em torno de US$ 100 bilhões, digamos, o resultado desses swaps pode impor perdas grandes para um lado ou para o outro.

CC – Qual a origem da configuração atual do mercado de câmbio?

PR – Após as eleições de 2014, a nova equipe econômica sinalizou ao mercado uma mudança na política cambial, que se tornaria mais flexível. A taxa de câmbio seguiria, portanto, o rumo apontado pelo mercado apontasse. No fundo, o Banco Central sinalizou que o mercado poderia apostar contra a sua posição e que ele não interviria de forma incisiva usando o seu poder de market maker. E foi o que aconteceu, o dólar saiu de em cerca de R$ 2,60 em dezembro de 2014 para R$ 3,90 em dezembro do ano seguinte, uma desvalorização de 50% que resultou em enormes ganhos ao mercado e enormes perdas ao banco central.

CC – Mas essa desvalorização possibilitou aumentar as exportações e ajudou a indústria.

PR – Sim, mas como os contratos não envolvem divisas, são liquidados em reais, essas perdas foram incorporadas na conta de juros, o que contribuiu para um enorme déficit nominal e aumento da dívida bruta. Nesse contexto, a recente redução da rolagem dos contratos de swap cambial reduz a exposição do Banco Central em uma situação de apreciação da moeda brasileira, onde o próprio mercado diminui o seu apetite pela compra de dólar futuro. Falta transparência nas decisões de política com swaps que envolvem bilhões de dólares e têm importantes implicações fiscais.

CC – Há uma incerteza generalizada, para não dizer ceticismo, quanto a possibilidade de estabilizar uma taxa de câmbio competitiva para as exportações brasileiras.

PR – No Brasil, qualquer processo de desvalorização cambial está sujeito à reversão, uma vez que a economia é extremamente sensível aos efeitos do ciclo de liquidez internacional e permeável à especulação financeira. Os juros muito altos, somados aos mercados de derivativos, de alta liquidez, tornam a taxa de câmbio real/dólar uma das mais voláteis do sistema internacional e impedem seu uso como ferramenta para o desenvolvimento.

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