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Hillary Clinton: desunidos venceremos?

Com discurso de unidade e amor, a candidata luta para conquistar os corações e os votos dos insatisfeitos em seu próprio partido e dos indecisos

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Por Cristina Soreanu Pecequilo

Símbolo da independência dos Estados Unidos, Filadélfia foi o palco da Convenção Democrata de 25 a 28 de Julho de 2016, uma semana após a republicana que confirmou a indicação de Donald Trump.

O evento formalizou a candidatura de Hillary Clinton para presidente, e Tim Kaine como vice, deixando um sentimento estranho de tempo congelado: há oito anos Hillary abrira mão de sua disputa com o outro pré-candidato Barack Obama, estrela ascendente e renovadora, e depois se tornaria sua secretária de Estado (2009 a 2013). Quase uma década depois, chegou a sua vez.

Hillary é a imagem de espelho trocada de Trump: nome conhecido da política norte-americana, identificado com o establishment, seja como primeira dama (de Arkansas e dos Estados Unidos) ou como senadora e depois secretária de Estado. Mas ainda assim, um nome vindo da sociedade branca pobre, e não da elite.

Por sua vez, Trump é o homem anti-sistema, libertário, contra Washington. Ambos estão tecnicamente empatados nas pesquisas. E assim como Trump não foi unanimidade dentro do Partido Republicano, Hillary também não é no Partido Democrata.

A pré-candidata foi confrontada pela popularidade e carisma de Bernie Sanders, o velhinho simpático, revolucionário e auto-denominado de esquerda que prometeu combater a corrupção, ensino e saúde públicos gratuitos, emprego e prosperidade.

Muitos eleitores de Sanders nas primárias, já afirmaram que não votarão em Hillary por a considerarem conservadora, corrupta e representante “do sistema”.
Apesar de ter apoiado a candidatura de Hillary, todas as imagens de Sanders na Convenção o mostravam entediado e “bufando”, em claro descontentamento com a escolha do Partido. O vazamento de emails do Comitê Nacional Democrata na semana da Convenção denegrindo sua campanha somente acentuaram esta indisposição.

Indisposição que se juntou a outras críticas de democratas, independentes e republicanos: carreirista, por ter se aproveitado da passagem na Casa Branca para fortalecer sua agenda política, depois do escândalo sexual Monica Lewinski e do quase impeachment do seu marido, o presidente Bill Clinton (1993/2000).

Também é vista como arrogante, antipática, ineficiente (por ter fracassado na proteção dos cidadãos norte-americanos na Líbia, o que acarretou a morte do Embaixador) e que não respeita as leis (devido ao uso de e-mail pessoal para lidar com questões oficiais do Departamento de Estado), dentre outros.

Não se pode esquecer das recentes observações de Trump sobre gênero e a idade de Hillary, que não teria nem mesmo “o vigor e vontade”, para concorrer à eleição muito menos governar.

Fora os estereótipos e ruídos, que trazem até mesmo hackers russos comandados pelo governo do russo Putin à campanha como personagens que teriam vazado estes mails, a questão é que a candidatura Hillary enfrenta dificuldades reais.

Toda vez que é confrontada por candidatos carismáticos e midiáticos, Clinton, diferente de seu marido e de Obama, não possui a capacidade de se reinventar, contrapondo simpatia à ferocidade.

A Convenção Democrata teve como uma de suas prioridades a humanização da figura de Clinton, tornando-a mais popular, sem deixar de acentuar sua competência como política e profissional, e sua identidade como mulher (a primeira a concorrer à Presidência por um partido majoritário) esposa, mãe de família e avó.

Os defeitos a ela associados foram atribuídos a sua teimosia para poder fazer o melhor e buscou-se identificá-la com as causas das crianças, da segurança (com bastante destaque a sua participação na operação que matou Osama Bin Laden) e a sua tradicional bandeira pelo acesso a um sistema universal de saúde, parcialmente conquistada por Obama, e que foi um dos marcos não realizados da gestão Clinton. Mas a ideia sempre passada era “se não fosse Hillary, nem isso teríamos”.

Os slogans que parecem ter mais apelo são o da unidade e do amor, de que os norte-americanos estarão junto com Hillary (e ela com eles) para vencer o racismo, a xenofobia e a desigualdade (em inglês, as frases de efeito são stronger together e love trumps hate – “mais forte juntos” e o “amor vencerá o ódio”).

Os discursos da primeira dama Michelle Obama, do ex-presidente Bill Clinton e do presidente Obama caminharam nessa linha, assim como da filha Chelsea e do vice Kaine (uma incógnita por ser conservador em temas sociais). Foram abertas as críticas a Trump. Republicanos e independentes pró-Hillary igualmente se manifestaram a favor do voto na democrata, para recuperar os verdadeiros valores norte-americanos.

 

O discurso de Hillary foi a repetição destes temas e a promessa da continuidade, destacando o sucesso de Obama em promover a recuperação econômica. À sombra das explosões de violência, que são combustível para Trump, Hillary pregou a união, e diante do terrorismo a vontade de lutar sem medo.

O apelo aos jovens e às mulheres foi significativo, pois vários eleitores destes grupos não se identificam com Hillary (apesar disso soar como paradoxal no caso das mulheres). Falou-se aos trabalhadores da América, com promessas de emprego ressaltando a atuação da Casa Branca para salvar a indústria automobilística.

Votos certos na candidata parecem ser somente os das comunidades hispânica, negra e defensora dos direitos civis LGBT, havendo margem ampla de flutuação nos demais grupos (votos que não necessariamente se transferem a Trump, mas ficam em um vácuo como o das comunidades religiosas no campo republicano).

Foi um discurso positivo, mas que deixa em aberto se os democratas insatisfeitos votarão em Hillary e os eleitores dos estados “de batalha” onde se decide a eleição, nem que seja para barrar a alternativa. Outra dúvida: quem será a Hillary da campanha quando ofendida por Trump? A candidata competente, mas humanizada da Convenção ou a oponente que poderia se perder na raiva como seu adversário?

Defender que Hillary será uma Presidente melhor que Trump, é advogar pelo menos pior, com base em valores humanistas universais que são contrariados pelas falas de Trump, mas que representam compromissos históricos dos democratas e de muitos de nós.

Dizer que Hillary é “de esquerda” como se fosse uma ofensa é demonstrar incompreensão por estes compromissos e pelo que é ser de esquerda fora das fronteiras norte-americanas.

Isso demonstra a desunião das forças progressistas. Há uma incompreensão do que são os Estados Unidos: uma nação que defende seus interesses, mas com um diferencial de poder que o faz capaz de impor-se. O que fará Trump com este diferencial?

Se há insatisfação com os rumos que o seu país está tomando, seja lá, como aqui, com a Presidência, prefeitos, senadores, deputados, vereadores (a Casa Branca, ou como analogia, o Planalto, é apenas a ponta do iceberg) nada mais simples do que fazer o que o Presidente Obama pediu em seu discurso de apoio à Clinton, “Don´t boo, vote!” .

* Cristina Soreanu Pecequilo é professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e membro do GR-RI

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