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Polêmicas cercam o uso dos drones

Ataques dos EUA no Paquistão, Iêmen e Somália levantam questões sobre violação de soberania e temor pela segurança na comunidade internacional

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De Londres e São Paulo

Com Marsílea Gombata

Enquanto seguia para um casamento, um comboio de carros foi alvo de um ataque aéreo no Iêmen na quinta-feira 12. A ação de um drone deixou 15 mortos, confundidos com supostos integrantes da rede terrorista Al-Qaeda em uma região onde os Estados Unidos constantemente alvejam “militantes extremistas”. A morte de civis por aviões não tripulados no Iêmen é apenas o mais recente a ganhar destaque mundial. Junto com ele, voltam à tona questionamentos sobre o uso de drones em missões militares.

Os EUA abertamente conduzem ataques com drones no Iêmen, Paquistão e Somália com o intuito de eliminar lideranças classificadas como terroristas e enfraquecer grupos antiamericanos. Washington é quem mais utiliza esse tipo de expediente, mas Israel também realiza ataques de drones em Gaza. Além disso, são comuns aeronaves não tripuladas, especialmente dos EUA, sobrevoarem os céus de outros países para a captura de informações.

Enquanto os EUA defendem o uso desses equipamentos devido a sua “precisão cirúrgica”, organizações internacionais, como a ONG britânica The Bureau of Investigative Journalism, estimam um número elevado de civis mortos nos ataques. Segundo o Bureau, desde 2004 apenas no Paquistão os EUA realizam 380 ataques (329 deles na administração de Barack Obama), com entre 2.534 mil e 3.642 mil mortos, dos quais entre 416 e 951 seriam civis. “Os drones são precisos, mas erros ainda acontecem. A habilidade de enviar imagens dos drones para diversas pessoas em tempo real, e ter pessoas tomando decisões longe da ameaça corporal, remove muito o estresse agudo. Os drones fazem a guerra mais humana e não ao contrário”, defende Mary Cummings, professora do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e da Universidade de Duke, ambas nos EUA, além de ex-piloto militar dos EUA.

Atualmente, apenas EUA e Israel realizam ações militares com ataques fora de seus territórios. Mas o aumento do número de países com a tecnologia de drones traz incertezas sobre a segurança do sistema internacional quando mais países adquirirem capacidades semelhantes e decidirem agir em outros Estados utilizando drones. “Creio que este é o perigo real. O uso dos drones pelos EUA para assassinatos seletivos no Paquistão, por exemplo, tem causando problemas. A China pensou em eliminar um traficante de drogas na Birmânia, mas desistiu. Outros países estão prontos para usar drones em assassinatos seletivos. E isso cria um mundo muito mais violento”, afirma Michael J. Boyle, professor-assistente de Ciências Políticas da Universidade de La Salle (EUA) e analista de política externa norte-americana.

Esses ataques desafiam conceitos diplomáticos consolidados, como a inviolabilidade do território de um país – por terra ou ar. Alguns teóricos defendem que os ataques norte-americanos no Iêmen e Paquistão seriam um exemplo de quebra de soberania. “As regras de aviões tripulados podem ser aplicadas da mesma forma que para os drones”, explica Cummings. Ou seja, é preciso autorização previa de um país para utilizar seu espaço aéreo.

As noções de soberania, entretanto, também são alvos de controvérsias. M. Shane Riza, autor do livro Killing Without Heart: Limits on Robotic Warfare in an Age of Persistent Conflict (Matando sem Coração: Limites da Guerra Robótica em uma Era de Persistente Conflito, em tradução livre), e ex-comandante militar nos EUA, diz que os drones seriam menos agressivos ao conceito. “De alguma forma, os drones são vistos como uma violação de soberania menor que a de uma plataforma tripulada. A diferença entre a reação oficial paquistanesa à operação que capturou Bin Laden e os ataques de drones dos EUA em áreas tribais é talvez instrutiva.”

O custo mais barato em relação a outras aeronaves tripuladas tem impulsionado a expansão da tecnologia para cada vez mais países. As políticas para o uso de drones adotadas pelos EUA, contudo, seguem no centro das polêmicas. Uma das mais criticadas são os assassinatos seletivos de supostas lideranças terroristas. “Pela primeira vez em toda a história da guerra, temos a capacidade de colocar os combatentes e não-combatentes do outro lado sobre um risco maior que os do nosso lado. Se há uma revolução na guerra devido à tecnologia não tripulada é essa. E temos que ter um amplo debate sobre este aspecto da guerra robótica”, defende Riza.

Para Cummings, entretanto, é preciso entender que os assassinatos seletivos representam uma porcentagem pequena das missões com drones e que são conduzidos com pouca transparência pela CIA. “Se os EUA fossem banir os drones hoje, ainda iriam realizar assassinatos seletivos usando outras plataformas como aviões tripulados ou atiradores de elite, como sempre fizeram.”

Crítico ferrenho da política externa dos EUA e de Israel, o cientista político Norman Finkelstein condena o uso de drones para fins militares. “Drones são uma maneira ilegal de cometer assassinatos, dentro de guerras imorais. Nenhuma sociedade pode aceitar mais essas mortes”, disse o autor de livros como This Time We Went Too Far e Knowing Too Much – Why The American Jewish Romance With Israel is Coming to an End.

Conforme a tecnologia dos drones continua a amadurecer e a se espalhar, cresce a necessidade de se discutir uma eventual regulação global para o uso destes equipamentos em missões no exterior. Boyle acredita que esse seria um debate a ser impulsionado por Washington. “Os EUA deveriam aproveitar esse momento para regular essa tecnologia, mas a administração não vai atar as próprias mãos enquanto tem tamanha vantagem tecnológica no setor. Não é atrativo. Porque desistir de uma vantagem que eu tenho e ninguém mais tem?”

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