Opinião

De Cuba à Argentina, por que não buscar cooperação internacional em defesa civil?

Não se pode sequer argumentar que o tema tenha pouco acúmulo por parte da esquerda internacional e latino-americana

Arena do Grêmio, em Porto Alegre, alagada pelas chuvas. Foto: Carlos Fabal/AFP
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“Arte é afirmação de vida, em que pese isto aos mórbidos. Afirmação de vida nesse sentido que a vida é a soma de todas as suas grandezas e podridões: um profundo silo onde se misturam alimentos e excrementos, e do qual o artista extrai a sua ração diária de energias, sonhos e perplexidades: a sua vitalidade inconsciente.” – Vinicius de Moraes

O cataclismo que atingiu o Rio Grande do Sul não teria cobrado as proporções que tomou se as medidas de prevenção tivessem sido tomadas.

Como nos recorda o deputado Matheus Gomes, o orçamento estadual, aprovado por 40 deputados, prevê apenas 50 mil reais para a Defesa Civil e zero para os comitês de bacias hidrográficas.

Ao mesmo tempo em que abria mão de gerir o abastecimento de água e luz no estado, Eduardo Leite, pela inépcia em planejar a resiliência de um estado tão vulnerável às mudanças climáticas, deixou milhões de pessoas à mercê de desastres socioambientais perfeitamente previsíveis, para os que não negam o aquecimento global, evidentemente.

Não é o único a chorar lágrimas de crocodilo, porém. Está na companhia do prefeito Sebastião Melo – que não fez a manutenção do sistema de comportas e bombas – e da Rede Globo e associadas, que, “dulcis in fundo“, ainda mantêm a candidatura de Leite ao Planalto, fazendo todo o possível para encobrir suas responsabilidades, bem como as do prefeito, na tragédia.

De passagem, noto que a esquerda brasileira continua dando importância à imprensa nacional, que sequer pode ser chamada de imprensa, pois não passa de oito famílias, que promovem pensamento único, em prol da oligarquia internacional e da triste filial local.

Com efeito, quem já viu um órgão de imprensa internacional citar a Globo, a Record, o SBT? Em âmbito internacional, literalmente, não existem, tal o provincianismo, que inclui campanhas dissimuladas para candidatos igualmente dissimulados (e um bocadinho cafonas).

Entretanto, malgrado os esforços louváveis do governo Lula para socorrer e recuperar o RS, a esquerda também tem dever de casa a fazer: por que só três deputadas federais pelo RS – Fernanda Melchiona (PSOL), Maria do Rosário (PT) e Reginete Bispo (PT) – alocaram emendas para a prevenção de desastres?

Qual o conhecimento sobre Defesa Civil na esquerda?

Já houve um seminário a respeito? Uma conversa? Um Twitter?

No entanto, vemos opiniões formadas e convicções até sobre processos eleitorais de outros países, alguns dos quais jamais contemplados com a maciez de seus pezinhos.

Simbólico que Dilma Rousseff tenha nomeado para Secretário Nacional de Defesa Civil…um general…

Não se pode sequer argumentar que o tema tenha pouco acúmulo por parte da esquerda internacional e latino-americana.

Cuba, por exemplo, empobrecida e bloqueada, é uma potência no assunto, capaz de remover um milhão de pessoas de áreas de risco, em poucas horas.

Por que não buscamos cooperação internacional nesse campo?

Vale notar que a Argentina, nossa vizinha, tem grande tradição em defesa civil, também.

Na verdade, deveríamos ter um mapa sobre o que podemos aprender com cada povo – e humildade para saber que ninguém, pessoa ou povo, sabe tudo.

Por exemplo, até com a extrema-direita italiana pode-se aprender algo, na medida em que o ministro da Defesa da Bota deixou claro que a proposta do presidente da França de mandar tropas para a Ucrânia sequer seria apreciada por seu país.

Aliás, Macron se prova a cada dia mais desejoso de disputar o eleitorado francês de extrema-direita, já tendo ultrapassado, junto com Biden, os limites saudáveis da não-hipocrisia: ambos condenaram a repressão às manifestações na Geórgia, mas reprimem, com brutalidade, os protestos em seus países contra o genocídio perpetrado por Israel em Gaza.

Mas nada parecido com o genocídio promovido pelo atual desgovernador de São Paulo contra a população negra e pobre de seu próprio estado (ops, na verdade é carioca): o número de pessoas mortas pela Polícia Militar paulista cresceu 138% em um ano!

Pior, o desgovernador não está só: o Senado aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional que criminaliza “a posse ou porte de qualquer quantidade de droga”, conforme nos informa a excelente matéria de Mariana Serafini e Maurício Thuswohl, em CartaCapital.

Ou seja, teremos mais prisões lotadas e mais “guerra às drogas”, ambas de grande interesse para traficantes e oligarcas que têm na guerra às drogas um negócio mais rentável do que o próprio tráfico delas.

No texto, citam o deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ) sobre as contradições da legislação aprovada: “Entopem os presídios, onde pouco se estuda e se trabalha, mas não faltam drogas e celulares. As principais facções comandam o crime a partir de presídios, como é o caso do PCC e do Comando Vermelho.”

Importante notar que esse atraso vai completamente contra a tendência internacional de descriminalizar o porte de pequenas quantidades, para uso pessoal.

Como Rodrigo Pacheco deverá ser candidato ao governo de Minas, talvez tenhamos os dois maiores colégios eleitorais nas mãos de negacionistas dos direitos humanos, a se juntarem a Eduardo Leite, negacionista ambiental.

O mais truculento desse trio, o de São Paulo, nega legitimidade até à ONU, o que não deixa de fazer sentido, tendo em vista a proximidade dele com o bolsonarismo e, assim, por via indireta, com as milícias cariocas.

A propósito, o comércio do interior de São Paulo passou a receber chamadas telefônicas típicas das milícias, visando à extorsão de comerciantes, em troca de “proteção”.

Apesar da atual facilidade em se fazerem chamadas internacionais, provavelmente não são as máfias italianas as autoras materiais desses crimes…

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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