Opinião

Deus nos livre da hipocrisia dos falsos cristãos e dos falsos democratas

Vimos supostos cristãos defendendo a criminalização do aborto no caso de meninas e mulheres estupradas, inclusive com encenações patéticas

Manifestação contra PL que equipara aborto a homicídio. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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“Uma música que comece sem começo e termine sem fim. Uma música que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto” – Vinicius de Moraes

Assistimos na semana passada a alguns dos momentos mais degradantes pelos quais um Parlamento – qualquer um- terá passado.

No meio do pandemônio demoníaco, vimos supostos cristãos defendendo a criminalização do aborto no caso de meninas e mulheres estupradas, inclusive com encenações patéticas em defesa daquela tese medieval.

O Congresso brasileiro desceu muito baixo.

Importante notar como essa cambada evangélica (não é uma bancada), católicos incluídos, utiliza a religião para fazer proselitismo conservador.

Por exemplo, por que não se preocupam com as mortes em série promovidas pelo governo de São Paulo, com câmeras peitorais que podem ser ligadas e desligadas, conforme a PM queira cometer crime e ficar impune?

Ou em política externa, por que nada diz (esperar que fizesse seria demais) sobre a situação dramática no Haiti, em que as gangues dominam 90% do território da capital, extorquindo, sequestrando e cometendo todo tipo de crime contra a população indefesa? São assim tão racistas quanto os europeus e estadunidenses (que ainda por cima são os que lucram com a venda de armas para os traficantes de drogas, pessoas, órgãos etc.)?

Nesta terça-feira 25, deve chegar ao Haiti o primeiro batalhão de policiais do Quênia, para tentar restabelecer alguma ordem no país.

Provavelmente, a maioria é muçulmana, como a maior parte da população do queniana. Porém, são mais cristãos do que os falsos cristãos locais (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil incluída).

A diplomacia brasileira parece compartilhar essa “não saída” conservadora, que se contrapõe frontalmente à “igreja em saída”, tão desejada pelo Papa Francisco.

A timidez (para dizer o mínimo), no caso, inevitavelmente representará um epitáfio para ela, em âmbito internacional. Uma política externa sumida, triste fim para quem já teve um Barão do Rio Branco à frente da chancelaria.

Vale recordar que, como já dissera Caetano, o Haiti também é aqui.

Explico: em matéria de CartaCapital, conhecemos que o assassino da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, Ronnie Lessa, teria recebido a oferta dos mandantes Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, e seu irmão, Chiquinho, deputado federal, de receber sociedade em loteamento ilegal na Zona Oeste da capital, em troca do assassinato da vereadora.

Ou seja, nesse caso, aos olhos do assassino, o crime seria justificável, na medida em que seria uma espécie de “empreendedorismo”, macabro, “negócio” aquele que lhe renderia milhões.

Insisto: o assassino, aparentemente, não notava nenhum limite definido no campo do “empreendedorismo” entre a vida e a morte, o legal e o ilegal, a moral e a amoral.

Não é assim que agem os bandos no Haiti, cobrando “pedágios” de todos? Qual a diferença entre a ação deles e dos fabricantes de armas dos EUA que os municiam e com isso ganham fortunas, incluive nas anódinas bolsas de valores?

Não é o lobby das armas o negócio mais lucrativo da atualidade, como não se cansa de repetir o Papa Francisco?

No Brasil, país que se quer cordial, ainda cometemos a crueldade de assimilar vítima a fraqueza. Não se confundem, porém, os conceitos, obviamente.

Por exemplo, o líder do Wikileaks hoje liberado, Julian Assange, em nenhum momento foi um fraco, todo o contrário: denunciou as atrocidades cometidas pelos EUA no Iraque e no Afeganistão (assassinatos, torturas, entre outras violações de direitos huamnos); permaneceu anos encarcerado, primeiramente em virtual prisão domiciliar na embaixada do Equador em Londres, depois em um cárcere de segurança máxima na Inglaterra; portanto, uma vítima do “civilizado” Ocidente, que se quer guardião da liberdade, dos valores democráticos etc. Em nome deles, promove também guerras de conquista e mantém populações em estado de pobreza e barbárie, como assistimos todos os dias em Gaza, no Sudão, na República Democrática do Congo, na Líbia etc.

Deus nos livre, a um tempo, da hipocrisia dos falsos cristãos e dos falsos democratas.

Na verdade, a modernidade trouxe realidade cenográfica: os shopping centers, os condomínios, realidades “fake”, em suma.

Tudo são fachadas, lâminas do real, cortadas sobre a pele pobre, negra, feminina, LGBT, de todos os que sustentam esses cenários para o ilusionismo confortável, asséptico, das classes que se beneficiam da exploração das demais.

Isso também vale para o jornalismo. No caso de Gaza, tudo teria iniciado em 7 de outubro passado, não em 1948, quando os palestinos foram expulsos de suas terras e passaram a sofrer todo tipo de atrocidades por parte dos ocupantes, até hoje.

A história ssrvida em lâminas, biombos.

Assim é a cobertura da TV estatal francesa que se refere sempre ao “Ministério da Saúde” do Hamas, sem reconhecer, dessa forma, que o Hamas fora anteriormente eleito para dirigir Gaza e que, por isso, se trata do Ministério da Saúde de Gaza, não do Hamas.

Com efeito, mesmo que a realidade lhes cuspa na cara que o Exército israelense é capaz de amarrar uma pessoa ferida sobre o capô de um veículo militar e dessa forma bárbara o transportar ou que mais de 100 locais das Nações Unidas foram bombardeados em Gaza, matando mais de 190 trabalhadores e trabalhadoras humanitários, a lâmina ideológica não lhes permite chegar à conclusão óbvia: que o atual desgoverno da extrema-direita israelense não é religioso, apenas terrorista, e deveria, há muito, ter levado a comunidade internacional, como mínimo, a suspender Israel da ONU, até que a democracia e a liberdade aportem novamente por lá, deixando o terror como uma lembrança longínqua, como um dia será no Caribe, inclusive no Brasil dos falsos cristãos e liberais, lenbrando que somos o limite sul do mar do Caribe.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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