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Aposta arriscada

Confiando na reeleição em primeiro turno, Paes cogita abrir mão do apoio do PT por chapa puro-sangue

Ouvidos moucos. O prefeito tem resistido aos apelos de Lula para aceitar um vice petista – Imagem: Fernando Frazão/ABR
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A história política brasileira é farta em exemplos de governantes que, na tentativa de agradar a setores antagônicos da sociedade, enfrentam dificuldades eleitorais que comprometem sua trajetória. Político tarimbado e a três meses e meio de uma disputa municipal marcada pela polarização, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, do PSD, aposta suas fichas em uma estratégia que pode sacramentar seu favoritismo à reeleição, mas arrisca dificultar seu caminho ao governo estadual, meta para 2026.

Escorado por uma pesquisa, realizada pela Quaest e publicada em 19 de junho, que o mostra com 51% das intenções de voto, índice que cai para 47% quando seu nome é associado ao apoio do presidente Lula, o prefeito decidiu congelar as conversas em torno da indicação de um nome do PT para o lugar de vice em sua chapa. Além disso, Paes intensificou a aproximação com setores declaradamente bolsonaristas, manobra personificada no tour pela cidade que fez na semana passada ao lado do deputado federal evangélico Otoni de Paula, do MDB.

Paes tem evitado falar com a imprensa sobre suas movimentações, mas a interlocutores próximos sinalizou sua predileção por uma chapa puro-sangue do PSD, com o deputado federal Pedro Paulo, seu fiel escudeiro, no posto de vice. Enquanto isso, seus mais recentes aliados vocalizam com entusiasmo o novo cenário: “O PT não agrega à candidatura de ninguém. A polarização acabou levando Paes para o lado de Lula, mas agora o estamos trazendo de volta ao centro”, diz Otoni. Em um ato com evangélicos na segunda-feira 24, o prefeito, que sofreu forte campanha contrária de igrejas na disputa com Marcelo Crivella em 2020, comemorou a aliança: “A boa notícia é que o Rio é cada vez mais de Jesus”.

Ceciliano. “Quem fica em cima do muro leva pedrada dos dois lados” – Imagem: Rafa Neddermeyer/ABR

Cientista político e professor da PUC Rio, Ricardo Ismael avalia que Paes construiu ao longo dos últimos anos uma parceria política com Lula que continuará sendo cultivada pelo prefeito até as eleições, mas pondera: “Sua relação com o PT do estado do Rio de Janeiro é diferente. O ingresso de Marcelo Freixo, seu adversário político, no partido aumentou a desconfiança em relação à cúpula petista, sobretudo quando se coloca na mesa a eleição para governador de 2026”. A tendência, acrescenta Ismael, é que ­Paes tente levar até o fim seu jogo de equilíbrio político: “Tudo indica que o prefeito quer manter o apoio de Lula, e lhe será grato se vencer a eleição municipal, mas não escolherá um vice do PT estadual. Ele quer um nome alinhado ao seu projeto político em 2024 e também em 2026”.

Por óbvio, a estratégia de Paes desagrada às lideranças estaduais petistas, sobretudo após a até aqui infrutífera visita de Lula ao Rio em abril e os diversos contatos telefônicos feitos pelo presidente desde então para tentar convencer o prefeito a aceitar como vice André Ceciliano, ex-presidente da Assembleia Legislativa (Alerj) e hoje secretário de Assuntos Estratégicos do governo federal. Responsável por tornar púbica a pressão do PT sobre Paes pela definição, a deputada federal Gleisi Hoffmann, presidente nacional do partido, comandou em 20 de junho uma reunião com representantes do PDT, do PCdoB, do PV e do Solidariedade com o objetivo de travar a aproximação do prefeito carioca com o bolsonarismo: “Decidimos que esses cinco partidos vão sugerir de forma conjunta o nome do vice. Já falei ao prefeito que ele precisa de um vice de esquerda para a militância entrar para valer na campanha”, diz Hoffmann.

Diretamente envolvido na questão, Ceciliano diz que “fazer média e querer ser Lula e Bolsonaro ao mesmo tempo” não vai dar certo. “A gente respeita e admira o Paes, é um excelente gestor, mas gato que se acha malandro demais e fica em cima do muro corre o risco de levar pedradas dos dois lados.” Se desprezar o PT, diz, o prefeito perderá grande parte do voto progressista: “E nada garante que terá o voto bolsonarista que espera”.

O deputado federal Pedro Paulo, do PSD, é o preferido de Paes para o posto de vice

O raciocínio do secretário baseia-se no desempenho do deputado federal Alexandre Ramagem, pré-candidato do PL à prefeitura do Rio, na mesma pesquisa Quaest. Nela, o ex-delegado da Polícia Federal aparece com 11% das intenções de voto, índice que sobe para 28% quando associado a Bolsonaro: “Ramagem é desconhecido do eleitorado, mas tem como trunfo o apoio de Bolsonaro. De quem você acha que ele tira voto? Pesquisas apontam que 32 % dos eleitores de Paes se dizem bolsonaristas. O prefeito, em seu terceiro mandato, é conhecido por todos. Já o Ramagem tem espaço para crescer. Paes aparecerá abaixo desses 51% logo, logo”.

Com as relações políticas construídas nos anos em que foi deputado estadual e presidente da Alerj, Ceciliano é o nome preferido de Lula pelo trânsito com prefeitos e parlamentares de siglas como PP, Republicanos e União Brasil, entre outras. Além de ser um quadro petista com estofo para assumir a prefeitura do Rio daqui a dois anos, em caso de vitória de Paes para o Palácio Guanabara, o secretário é visto pela direção nacional do PT como o nome ideal para costurar novas alianças para a candidatura de Paes em 2026, pois o prefeito sempre teve dificuldades eleitorais fora da capital.

O próprio Ceciliano alerta que não são favas contadas na disputa pelo Governo do Estado: “Não acho tão simples o prefeito virar governador. Temos o exemplo de Cesar Maia, que saiu bem avaliado de três gestões na prefeitura, mas jamais conseguiu romper os limites da capital. Sem falar na possibilidade de eventuais fenômenos eleitorais, como, por exemplo, o ocorrido com Wilson Witzel em 2018”.

Paes parece apostar no próprio Pedro Paulo para promover a aproximação com as legendas de centro e direita. Com o objetivo de cortar pela raiz os possíveis apoios a Ramagem, as conversas do ­deputado nas últimas semanas incluíram diversos dirigentes partidários regionais e até mesmo o governador Cláudio Castro, que integra o mesmo PL de Bolsonaro, mas tem se mostrado um bolsonarista vacilante.

Movimento. O parlamentar busca aproximação com partidos de direita e do centro – Imagem: Zeca Ribeiro/Ag. Câmara

Em todos os casos, o prefeito tem dito que não abre mão de indicar alguém de seu próprio grupo político para vice. Esse é seu maior problema, diz um petista cascudo que pede anonimato: “O Paes só cumpre o combinado com os seus, isto é sabido em todas as forças políticas. O PT não esquece o que ele fez quando era ­deputado federal tucano na época do mensalão. Nem que vendeu caro seu apoio a Lula nas últimas eleições, apoio anunciado após alguma hesitação e depois de ele dizer que o PT estava de salto alto. Não dá para confiar que um animal político tão escorregadio estará do lado da esquerda nem agora nem em 2026”.

Apesar da pressão, o PT não quer emparedar Paes, ao menos por enquanto. Na terça-feira 25, o Diretório Estadual do partido aprovou nova resolução de apoio ao prefeito: “Entendemos que temos muito a avançar nas políticas públicas da cidade, principalmente na política urbana e no acesso das pessoas que estão mais distantes do centro. Hoje, Paes é o gestor que mais conhece e entrega na mobilidade, na cultura, no lazer e na saúde da cidade”, afirma a vereadora Tainá de Paula, que já ocupou a Secretaria de Meio Ambiente e Clima na atual gestão municipal.

O apoio de Lula a Paes, acrescenta a parlamentar, é fundamental: “Estamos falando de um setor da sociedade que rechaça o discurso bolsonarista e aposta na democracia e na melhora da cidade através da formulação de políticas públicas”. Tainá corre por fora como possível nome petista a integrar a chapa de Paes: “O PT na vice e, principalmente, representado por uma mulher de origem humilde, é a possibilidade de articular a defesa de um estado democrático com propostas que aprofundem o pacto com a população mais sofrida”.

A disputa, como se vê, permanece em aberto. •

Publicado na edição n° 1317 de CartaCapital, em 03 de julho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Aposta arriscada’

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