Política

As eleições de 2018 e o “risco Lula”

Com a saída de Lula do pleito eleitoral, ele será menos visado e poderá trabalhar na reconstrução do partido e nas próximas eleições municipais

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Como nos últimos 13 anos, o futuro do Brasil e da esquerda está nas mãos de Lula, agora mais do que nunca. O país vive um grave momento de inflexão e, até o final de agosto, decidirá o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, o segundo em menos de 30 anos.

Os próximos 35 dias serão decisivos para o Brasil, que continuará em crise até 2019 se um novo Presidente, mais preparado e que não tenha relação com as investigações em curso, não assumir antes disso.

Michel Temer, como todos sabem, está envolvido até o pescoço, o que foi dito por alguns dos seus colegas mais próximos nas gravações expostas na imprensa. “Michel é Cunha” e Cunha vai, provavelmente, entregá-lo quando for preso, talvez até com gravações de conversas dele sobre crimes.

Ainda que não o faça, uma delação premiada de Cunha e outras que estão por vir derrubarão muitos dos principais políticos de PMDB, PT, PSDB, DEM, PP e outros.

Para que o governo não sofra com quedas frequentes de pessoas em posições chave até 2019 e com um constante receio de queda do próprio Presidente, é preciso que alguém de fora dessa bagunça assuma o poder.

Como João Santana, marqueteiro do PT, expôs a Sérgio Moro recentemente, quase todas as campanhas receberam dinheiro de caixa 2, inclusive a de Dilma em 2010. Se houver rigor, segundo ele, será feita uma fila de presos de Curitiba até Manaus, maior do que a Muralha da China.

Na medida em que se aprofundarem as investigações, se elas não forem seletivas, vão ser implicados de alguma forma, como já vêm sendo, Dilma e Temer, Aécio, Marina, quase todos que foram candidatos recentemente.

As pesquisas de opinião pública dão conta repetidamente de que a sociedade não quer mais Michel, nem Dilma. Parece estar claro que o caminho para o país é entoar uma voz uníssona por novas eleições diretas, que restituam a democracia.

Não se trata mais de subverter o Estado Democrático de Direito, como alguns dizem, pois o que se propõe é exatamente uma renovação dele, que, na verdade, esteve deformado desde sempre.

Se quase todos os principais políticos que concorriam a cargos em Executivos, e mesmo no Legislativo, recebiam dinheiro de caixa 2, ainda que a origem não fosse corrupção estatal, praticamente todos eles estão implicados em alguma medida e terminarão sofrendo as consequências criminais, administrativas e/ou eleitorais.

Com a proibição do financiamento empresarial de campanhas, há esperanças de que diminua a influência do poder do dinheiro sobre o poder político. Aliada a um maior medo de punição e a mais fiscalização, pode ser que um início de Estado Democrático de Direito, um verdadeiro, esteja prestes a ser construído no Brasil.

Cabe, portanto, a Lula se retirar do pleito eleitoral. O coro em prol de novas eleições não é praticamente unânime ainda, porque ele é o primeiro colocado nas pesquisas e boa parte da sociedade tem o receio de que tudo continue igual caso ele seja eleito.

Em todas as pesquisas deste ano, Lula tem a maior rejeição entre os possíveis candidatos, em torno de 60%, apesar de estar à frente no primeiro turno por causa da pulverização dos votos dos demais. No segundo turno, contudo, ele perde em todos os cenários.

O grande povo de mulheres e homens comuns do Brasil quer mudança drástica. Exceto por uma elite conservadora, as pessoas querem mais lisura, transparência, eficiência e equidade na economia. Lula teve a sua chance, ou melhor, teve duas, e sua pupila teve mais uma e pouca. PSDB, DEM e PMDB também tiveram suas chances, direta ou indiretamente, no poder.

Lula continua caçado a todo o custo. Voam as investigações contra ele e aliados, cujo objetivo maior é prendê-lo ou, ao menos, torná-lo inelegível, enquanto que todas as demais se arrastam. Se a possibilidade de Lula ser Presidente novamente deixar de ser um risco, o Brasil ganhará com o avanço das demais investigações.

Desistir das eleições é um bem que Lula faz a si mesmo, à sua liberdade, e à República de Curitiba, que poderá ficar mais tranquila depois desse fim atingido e, assim, investigar e condenar também os demais com o mesmo ímpeto da caça a Lula.

Boa parte do Brasil, mesmo aqueles que eram eleitores do PT, não tem mais coragem de apostar em um Presidente do partido, ao menos não em curto prazo. Lula e PT precisam ser mais pragmáticos, o que eles foram muitas vezes no mau sentido. É preciso abrir um pouco mão do poder para que possam voltar a tê-lo.

Deste modo, não parece haver outro caminho melhor, senão Lula anunciar sua retirada de eleições até 2018 com apoio incondicional à candidatura de Ciro Gomes com um vice do PT, a ser anunciado, que esteja longe da lama do partido. Caso Fernando Haddad não vença em São Paulo, ele tende a ser o melhor nome.

Com a saída de Lula do pleito eleitoral, ele será menos visado e poderá trabalhar com mais tranquilidade na reconstrução do partido, nas eleições municipais e em eventuais eleições presidenciais.

Ao mesmo tempo, com a retirada do seu nome das pesquisas de opinião, é provável que ainda mais pessoas passem a defender novas eleições. Segundo a pesquisa que o Datafolha realizou e a Folha divulgou de uma forma meio estranha, ao menos 62% da população já defende essa posição.

Sem o “risco Lula”, seria mais fácil conseguir a derrubada do impeachment com a volta de Dilma Rousseff e um plebiscito para que a sociedade diga se quer novas eleições.

Com amplo apoio da sociedade, tudo fica mais fácil. Essas novas eleições poderiam vir também pela cassação da chapa Dilma/Temer no TSE ou, ainda, por uma renúncia dupla em caso de derrota do impeachment no Senado em agosto.

Corre-se um risco imenso de Temer continuar na Presidência até o final de 2018, o que seria desastroso. Antes da votação na Câmara, este Autor defendia que seria “didático” para o país ver Temer e amigos governando, mas já vimos o suficiente. Se eles foram capazes de tanta besteira em poucas semanas enquanto interinos, imaginem em mais de 2 anos como definitivos. 

Em outro péssimo cenário, Aécio Neves e comparsas torcem por uma manutenção de Temer com queda logo em seguida, no início de 2017, para que Rodrigo Maia assuma a Presidência do país e convoque eleições indiretas, pois terão se passado 2 anos desde o início do mandato. 

Lula precisa dar um passo atrás para que possa voltar a caminhar pra frente. Ciro é um nome do agrado dele e de boa parte dos progressistas do país. É alguém para liderar a construção de uma nova centro-esquerda progressista, uma linha política mais equilibrada e técnica no Brasil, que busque se afastar das práticas do presente e do passado.

Ciro poderia montar um time progressista dos sonhos com Cid Gomes, Roberto Mangabeira Unger (em uma posição, enfim, de mais importância e de decisão), Fernando Haddad, Flávio Dino, Roberto Requião e outros políticos preparados da centro-esquerda que não tenham relação com as investigações criminais, administrativas e eleitorais em curso.

O Brasil não precisa de mais remendos neoliberais, nem de remendos assistencialistas. O país não quer mais populistas de direita, nem de esquerda. Para uma mudança estrutural, porém gradual e experimentalista, ninguém melhor do que Ciro, que, como é notório, tem a coragem necessária e um conhecimento que vai muito além do “politiquês” brasileiro.

Ainda que Ciro não vença as eleições, apesar da pouquíssima preparação de Marina, haveria alguns aspectos positivos em tê-la assumindo até o final de 2018, dando uma feição à política diferente das coligações PSDB-DEM-PMDB x PT-PMDB, mas isso se não sofrer nenhum respingo das investigações que, conforme delação premiada de Léo Pinheiro, ex-Presidente da OAS, indicam uso de dinheiro sujo em sua última campanha.

Continua tudo nas mãos de Lula, que pode proteger os nomes dele e de Dilma na história. É preciso que tome a decisão acertada e se mantenha em condições de definir o futuro do país mais à frente. Essa pode ser a sua última chance.

*Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology

 

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