Política
Bancada do garimpo
Integrada à Frente Parlamentar da Agropecuária, ela reúne velhos e novos parlamentares


Qual a base política de sustentação do genocídio na Terra Indígena Yanomâmi, em Roraima? O site De Olho nos Ruralistas e CartaCapital identificaram 16 parlamentares eleitos que, em Brasília ou nos estados de origem, atuam diretamente a favor do garimpo. O PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, abriga metade do time. Lobistas, amigos ou sócios de empresários do setor, deputados e senadores se somam a um número bem mais expressivo no Congresso de defensores da atividade predatória e de outras pautas danosas ao ambiente e aos povos do campo.
Os deputados federais Antônio Doido (MDB-PA), José Medeiros (PL-MT), Joaquim Passarinho (PL-PA), Delegado Eder Mauro (PL-PA), Hugo Leal (PSD-RJ), Silas Câmara (Republicanos-AM), Nicoletti (União-RR), José Priante (MDB-PA), Euclydes Pettersen (PSC-MG) e Ricardo Salles (PL-SP) integram o núcleo da bancada do garimpo na Câmara. No Senado, os expoentes são Wilder Morais (PL-GO), Davi Alcolumbre (União-AP), Wellington Fagundes (PL-MT), Zequinha Marinho (PL-PA), Jaime Bagattoli (PL-RO) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS).
Oito desses políticos foram citados em um levantamento da Folha de S.Paulo divulgado em outubro. O jornal cruzou o banco de dados de processos minerários da Agência Nacional de Mineração (ANM) com aquele de candidatos do Tribunal Superior Eleitoral e suas respectivas empresas. Ex-prefeito de São Miguel do Guamá (PA), Antônio Doido tem 19 solicitações para uso do solo em seu nome, todas no Pará, e possui ações de uma mineradora. Morais é dono de cinco processos na base da ANM, um deles para pesquisa de ouro em Quirinópolis (GO).
São os casos mais explícitos. O histórico de atuação, os posicionamentos públicos e o resultado de votações indicam um grupo ainda maior. Medeiros, por exemplo, é autor do Projeto de Lei 571, que libera a mineração em terras protegidas. Vice-líder do governo Bolsonaro, o deputado criticou as “burocracias do licenciamento ambiental” e cobrou a regulamentação da atividade nas serras da Borda e Santa Bárbara, em Mato Grosso.
Primo do governador Helder Barbalho (MDB-PA), Priante reuniu-se com o então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, em fevereiro de 2022, para pedir o fim de operações policiais contra o garimpo ilegal no Rio Tapajós. Passarinho, Medeiros e Marinho são próximos de figuras históricas do movimento garimpeiro, entre eles José Altino Machado, Dirceu Frederico Sobrinho e Antônio da Justa Feijão. Alcolumbre e Fagundes advogam pelos interesses de garimpeiros no Executivo. Os cinco políticos são citados no estudo O Cerco do Ouro: Garimpo Ilegal, Destruição e Luta em Terras Munduruku, publicado em abril de 2021 pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. Em setembro de 2021, o Diário do Amapá publicou que o ex-presidente do Senado atuou em favor da extração de ouro e tantalita em Calçoene. “Era uma luta de milhares de garimpeiros, de milhares de famílias amapaenses que agora terão segurança jurídica para exercerem suas atividades”, comemorou Alcolumbre.
Financiado por mineradoras e frigoríficos, Passarinho assina o PL 6.432, que autoriza empresas a comprar ouro diretamente do garimpo. Ele foi o escolhido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para comandar o Grupo de Trabalho de Revisão do Código de Mineração. “Conheço garimpo de dentro do garimpo, daqueles que nem energia têm”, declarou em uma audiência.
Do núcleo mais aguerrido dos defensores da mineração, metade é filiada ao PL de Jair Bolsonaro
Esse grupo organizou diversas agendas na Esplanada e no Palácio do Planalto. O então vice-presidente Mourão e o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles estiveram em algumas. Em agosto de 2020, o Ministério Público Federal pediu informações ao comando da Aeronáutica sobre um voo que transportou indígenas pró-garimpo de Jacareacanga (PA) para uma reunião com o então ministro em Brasília. No ano seguinte, Salles transferiu seu gabinete e os gabinetes dos presidentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para Itaituba (PA) por 15 dias. A medida, publicada no Diário Oficial da União, deu-se no mesmo período em que ocorreria uma operação de combate ao desmatamento ilegal.
Mourão e Zé Altino, conhecido como “rei do garimpo”, encontraram-se em ao menos quatro ocasiões, em Brasília. Em duas, Euclydes Pettersen esteve presente. O observatório publicou um dossiê, As Veias Abertas, uma mostra da atuação direta de bolsonaristas em benefício da atividade.
Um dos maiores produtores de soja de Rondônia, Jaime Bagattoli, eleito em outubro, prometeu “lutar muito” para legalizar os garimpos. “Podemos até dar legalidade aos garimpos dentro das reservas indígenas”, afirmou à revista Cenarium. De acordo com a Repórter Brasil, o político teve suas propriedades autuadas pelo Ibama quatro vezes por infrações ambientais. À agência ele alegou agir “dentro da legalidade”.
Novos parlamentares não diretamente ligados ao garimpo, como Damares Alves (Republicanos-DF) e Sergio Moro (União-PR), são acusados de ação ou omissão diante do genocídio Yanomâmi. A ex-ministra esteve cinco vezes em Roraima para tratar de assuntos relativos à etnia. Em nenhuma delas visitou o território ou ouviu relatos sobre os conflitos com garimpeiros. As informações constam do relatório preliminar do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, divulgado no fim de janeiro. O documento mostra que Damares ignorou recomendações internacionais sobre a crise sanitária e agiu com descaso diante de processos encaminhados.
Moro é um dos autores do Projeto de Lei 191, que autoriza a mineração nos territórios indígenas. O agora senador assinou o texto quando ocupava a pasta da Justiça e Segurança Pública.
Em março do ano passado, mês em que a Câmara aprovou a urgência na tramitação do projeto, 152 dos 279 votos vieram da Frente Parlamentar da Agropecuária. O grupo emitiu parecer favorável à medida. Quem esteve à frente das discussões foi o então líder do governo Ricardo Barros (PP-PR). “Sem licença não há fiscalização nem obrigação de reconstituição ambiental”, justificou.
A frente reúne 280 congressistas, dos quais 200 disputaram a reeleição e 133 conseguiram sucesso (126 na Câmara e sete no Senado). Em entrevista a O Estado de S. Paulo, o novo presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR), projetou uma bancada de 300 integrantes em 2023, com força para se contrapor ao governo Lula, a quem chamou de “radicalizado e ideologizado” contra o agronegócio. •
*Repórter do site De Olho nos Ruralistas.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1245 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE FEVEREIRO DE 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Bancada do garimpo”
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