Política

Impeachment: como cada senador escreverá o seu nome na história?

Não há dúvidas de que este processo golpista é um artifício político para, na falta de votos, tomar o poder

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O julgamento do impeachment, aquele que interessa, acontecerá nos próximos dias. As votações anteriores causaram efeitos positivos e negativos no país, mas esses últimos podem ser revertidos adiante. É nessa votação final que cada senador decidirá como quer escrever o seu nome na história.

Houve efeitos positivos no afastamento temporário de Dilma Rousseff, pois, após 13 anos e 5 meses de governo do PT, boa parte da sociedade havia perdido a noção sobre quais problemas haviam sido gerados pelo governo petista e quais problemas eram simplesmente do Brasil, uma vez que sempre ou quase sempre existiram, e continuarão existindo até que sejam feitas reformas estruturais de qualidade, que não estão sendo propostas pelo Governo Temer.   

Um aspecto positivo foi observar como uma política pautada na ultrapassada ideologia neoliberal é falha e, assim como na Argentina, gera mais custos do que benefícios.

Um governo foi deposto sob alegações de gastos excessivos e corrupção para colocação de outro muito mais gastador e corrupto.

Logo após o afastamento de Dilma, houve vazamentos de áudios incriminando políticos chave do governo interino, inclusive o próprio Michel Temer, além de políticos de outros partidos até então poupados, como o PSDB, comprovando que a corrupção é um mal endêmico.

Era como se a “República de Curitiba” apenas estivesse esperando passar o afastamento para “atacar” a reputação dos governantes interinos perante a sociedade e manter a força das investigações. É inegável que o Poder Judiciário, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal estão agindo ao seu critério para alterar a política.

Os envolvidos nos vazamentos deveriam expor antes da votação toda a sujeira à qual já têm acesso e, assim, deixar que a sociedade e os políticos eleitos por ela decidam o futuro do país. A seletividade significa manipulação política e social.

Parece inegável que o governo Dilma tinha menos intenção de interferir na Lava Jato do que o governo Temer, de modo que é do interesse corporativo da República de Curitiba a volta da Presidente democraticamente eleita e a realização de consulta democrática acerca de novas eleições.  

Quem vota contra o impeachment sob o argumento de que vota contra a corrupção está mentindo. O suposto crime de responsabilidade, também cometido por Temer, foi afastado pelo Ministério Público Federal e pela perícia técnica do Senado. Não há nada contra a pessoa de Dilma, mas há inúmeros indícios e até provas contra Temer e a cúpula do PMDB.

Não custa lembrar todos os casos de corrupção que vieram à tona recentemente. O primeiro ministro a cair foi o do Planejamento, Romero Jucá, muito próximo a Temer, mas exonerado em 24/05 após aparecer em conversas nas quais dizia que o impeachment tinha o objetivo de parar a Lava Jato.

Minutos após o afastamento de Dilma pelo senado em 12 de maio, Temer extinguiu a Controladoria Geral da União (CGU), que fiscalizava os órgãos da União Federal e ajudava a desbaratar esquemas de corrupção.

Foi criado o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, cujo ministro, Fabiano Silveira, não durou no cargo 30 dias, pois foram vazados áudios seus criticando a Lava Jato e aconselhando Renan Calheiros, seu padrinho político, e Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, a evitar complicações em interrogatórios sobre corrupção.

Em 16 de junho o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, caiu após delação de Sérgio Machado que mencionou recebimento de dinheiro sujo na Suíça.

Muito mais está por vir. O chanceler uruguaio expôs tentativa de compra de voto por José Serra, o mesmo que aparece nas delações da Odebrecht como recebedor de 23 milhões de reais via caixa dois.

Todos sabem que, salvo alguma manipulação forte na Lava Jato, Temer, Serra, Geddel e outros não demoram a cair por corrupção. Qual, então, o propósito do impeachment, senão permitir que esses indivíduos se estendam no poder fazendo mal ao país e servindo ao interesse de alguns poucos, parte deles estrangeiros?

Após as diversas divulgações do envolvimento do governo Temer vindo ao ar, alguns dos senadores começaram a declarar que poderiam mudar de voto, como Romário (PSB-RJ). Segundo a deputada Mara Gabrilli acusou mais tarde, no entanto, ele teria mantido o voto a favor do impeachment em troca da nomeação da ex-deputada Rosinha da Adefal para a Secretaria da Pessoa com Deficiência.

Acyr Gurgacz (PDT-RO), Antônio Carlos Valadares (PSB-CE), Cristovam Buarque (PPS-DF), Omar Aziz (PSD-AM) e Raimundo Lira (PMDB-PB) são outros senadores que foram citados como indecisos, apesar de Buarque vir afirmando agora o seu voto a favor do impeachment, contra a sua história e o que vinha defendendo algumas semanas antes no sentido de que novas eleições seriam o melhor caminho para o país.

Antônio Reguffe (sem partido) e Roberto Rocha (PSB-MA) são outros que cogitaram mudar de voto caso houvesse a defesa de novas eleições, o que já aconteceu.

Mesmo aqueles que votaram a favor do prosseguimento do processo de impeachment e que o defenderam amplamente têm a oportunidade agora de voltar atrás, sendo que a maioria não dará tanta importância às votações passadas, interessando para a sociedade, ao final, se o golpe se concretizará ou não. 

Sim, ninguém nega mais que é golpe, nem mesmo aqueles favoráveis ao impeachment. Todos sabem hoje que se trata de um artifício político utilizado para, na falta de votos, tomar o poder.

Inúmeros países estudam cortar relações e pedir a órgãos internacionais aplicação de sanções ao Brasil, acaso o impeachment se concretize. Não se tem a dimensão do problema, pois a grande imprensa brasileira, desde o início, é agente central no golpe, como foi em 1964.

O senador dos Democratas nos Estados Unidos, Bernie Sanders, que teve votações expressivas nas primárias e goza de enorme proeminência no país, pediu recentemente que o seu governo tomasse posição sobre o impeachment no Brasil. É possível que algo aconteça, se ele vier a se concretizar.

Alan Grayson, deputado da Flórida, já havia discursado em 13 de julho na Câmara dos Estados Unidos fazendo duras críticas ao impeachment em curso.

Na União Europeia, um grupo de 34 deputados pediu o fim do acordo entre ela e o Mercosul por conta do processo do impeachment no Brasil. As relações estão estremecidas e certamente ficarão suspensas até 2018 em caso de impeachment.

A quebra do regime democrático, a tomada do poder sem razão constitucional que a justifique, afastará o Brasil ainda mais do resto mundo, fazendo o país penar até o final de 2018, até que um presidente seja eleito democraticamente.

Há ainda gigantesco risco de Temer cair no meio do caminho, pois o seu nome aparece inúmeras vezes em áudios, delações e mensagens de whatsapp com menções a recebimento de dinheiro de corrupção, a ajuda a Eduardo Cunha para que não seja cassado ou preso e assim por diante.

Devido ao impasse político criado, que teve a contribuição do governo Dilma, mas que não pode, apenas por isso, ser destituída do poder, a saída do plebiscito para devolver ao povo o direito de definir o futuro do país é democrática e levará, de acordo com pesquisas recentes, de fato à escolha de um novo Presidente.

O governo Temer não deve durar e, mesmo que chegue a 2018, será em meio a escândalos, protestos e crise cada vez maior. Menos de 15% do povo aprova Temer. Não demorará até se consolidar publicamente que o impeachment é um golpe sujo e todos os apoiadores se juntarão na vergonha pelo resto de suas vidas, ficando com seus nomes manchados na história até mesmo após as suas mortes.

Ser a favor de impeachment claramente inconstitucional e, portanto, flagrantemente golpista é típico de político brasileiro, que pensa nos benefícios individuais de curto prazo. No entanto, o médio e o longo prazo serão duríssimos com eles. A história não os perdoará. Deus é piedoso, sempre perdoa, mas castiga. O povo brasileiro talvez não tenha a mesma piedade. 

*Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology

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