Política

Homenagem à Rota seria “afronta”, diz Comissão da Verdade

Para a vice-presidente do colegiado paulistano, o projeto do coronel Telhada seria apologia a grupos de extermínio ligados à ditadura

O vereador Gilberto Natalini comanda reunião da Comissão. Foto: Ricardo Rossetto
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Por Ricardo Rossetto

O primeiro ato da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, reinstalada nesta terça-feira 26 na Câmara de São Paulo, foi questionar a homenagem que o vereador Paulo Telhada (PSDB), coronel reformado da PM, ofereceu às Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) por seu papel de “luta contra os comunistas durante a ditadura”.

A decisão de impedir a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo 06/2013 partiu do novo presidente da Comissão, vereador Gilberto Natalini (PV). Ele disse considerar uma “afronta” condecorar com a Salva de Prata, a mais importante distinção concedida pelo município, “uma polícia que mata”. A vice-presidente do colegiado, vereadora Juliana Cardoso (PT), também se posicionou contra. Para ela, esse tipo de homenagem é uma apologia a grupos de extermínio ligados à ditadura. “As ações ocorridas durante esse período feriram os direitos humanos. Não queremos esse tipo de postura na sociedade. Seria um desrespeito completo com as famílias das vítimas”, disse.

O texto do projeto destaca os “relevantes serviços prestados pelo Batalhão à sociedade brasileira, em especial ao povo do estado de São Paulo”. O coronel, que comandou a tropa entre 2009 e 2011, lembra o passado “heroico” da corporação, como a campanha do Vale do Rio Ribeira do Iguape, em 1970, que sufocou a Guerrilha Rural instituída por Carlos Lamarca, um dos principais combatentes da ditadura.

Em plenário, Telhada criticou as “meias-verdades” ditas pelos seus colegas parlamentares. Para ele o principal problema são as acusações sem conhecimento de causa. “Estou pedindo uma salva de prata por 122 anos de história do batalhão, e não por uma ou outra ação prestada. Eu gostaria que se respeitasse a opinião das pessoas.”

O relator da Comissão, Mário Covas Neto (PSDB), se comprometeu a conversar com o coronel para que ele elabore uma nova proposta. “Meu entendimento é que isso seria uma homenagem à Rota de hoje e não àquela da época da ditadura. E, realmente, se a justificativa apresenta essas considerações, ele se equivocou e não posso apoiar essa iniciativa.”

Apesar de considerar “infeliz” e “inoportuna” a ideia de condecorar a Rota por sua atuação nos anos do regime, João Paulo Charleaux, porta-voz da Conectas Direitos Humanos, acredita que a iniciativa abre uma oportunidade para que o Coronel Telhada seja convidado a partilhar seus conhecimentos sobre o período com a Comissão da Verdade. “Gostaríamos de saber qual foi precisamente o papel do Batalhão Tobias de Aguiar durante a ditadura. Isso é importante porque o país vive um momento de revisão do seu passado, que é dolorido e cheio de revelações tristes”, explica.

Objetivos da Comissão. De acordo com o vereador Natalini, o principal objetivo da Comissão Municipal da Verdade em 2013 é ter capilaridade na sociedade civil, de forma a realizar discussões para que o tema da preservação da democracia e o combate a qualquer tipo de ditadura “entre pelas veias da população paulistana”.

Para isso, Natalini contará com a articulação e convênios firmados com as Comissões Estadual e Nacional da Verdade, esta última com poder de convocação. “Assim poderemos dar continuidade aos trabalhos de investigação iniciados em 2012 e convocar agentes da repressão que atuaram nos porões do DOI-Codi durante a ditadura, como o Coronel Carlos Brilhante Ustra”, afirma o presidente. Ele promete também aprofundar as investigações sobre os cemitérios clandestinos da cidade, principalmente o de Perus.

As reuniões da Comissão Municipal da Verdade serão abertas e acontecerão quinzenalmente, às terças-feiras, sempre a partir das 11h, na sala Sérgio Vieira de Mello, no primeiro subsolo do prédio da Câmara Municipal. O próximo encontro será no dia 9 de abril.

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