Sociedade

“Nós, refugiados, somos capazes de tudo”

O corredor sul-sudanês Yiech Pur Biel integra a equipe olímpica enviada pelo COI à Rio 2016. Sua ambição é dar esperança àqueles que a perderam

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O corredor Yiech Pur Biel, natural de Nasir, no Sudão do Sul, integra a equipe de atletas refugiados que desembarcou no Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos.

Em 2005, aos dez anos de idade, ele fugiu da guerra civil em seu país, sendo acolhido no campo de Kakuma, no Quênia. Lá ele ouviu falar da Fundação Tegla Loroupe, que organiza competições esportivas. Mesmo sem ter sapatos de início, ele participou, qualificando-se para a equipe internacional de refugiados na Rio 2016, uma iniciativa inédita do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Biel fala baixo e, em meio à tempestade de flashes dos fotógrafos em sua primeira coletiva no Rio, cercado por jornalistas e equipes de TV, sua voz é frequentemente suplantada pela bela nadadora síria Ysra Mardini – a qual, de longe, é quem recebe maior atenção, sobretudo das câmeras de televisão.

Até por o seu inglês não ser tão bom quanto o da colega, o sul-sudanês Biel fica mais à parte. A DW entrevistou o atleta de 21 anos, que, depois de muitos percalços, parece ainda não poder acreditar que esteja realmente participando dos Jogos de 2016.

DW: O que significa para você estar aqui, no Rio?

Yiech Pur Biel: Para mim e para toda a equipe de refugiados, significa muito. Porque é a primeira vez que uma equipe como a nossa participa dos Jogos Olímpicos. E torço para que consigamos dar esperança a todos aqueles que perderam a esperança numa vida melhor.

DW: Competindo na corrida de 800 metros rasos contra uma concorrência de renome, como vê as suas chances?

YPB: Difícil dizer. Vou competir contra campeões de verdade. Mas todos nós, na equipe de refugiados queremos dar o melhor, para mostrar ao mundo que refugiados são capazes de fazer tudo o que as outras pessoas fazem. Essa é a esperança para nós e também para milhões de refugiados.

DW: Você fugiu da guerra civil no Sudão do Sul e vive há dez anos no Quênia, em Kakuma, o maior campo de refugiados do mundo. Você só começou há um ano no esporte competitivo e agora participa das Olimpíadas. Quantas vezes já contou essa sua história?

YPB: Já contei para muitos. Deixei o Sudão por causa da guerra. Havia combates, quando saí da minha aldeia. Deixei os meus pais para trás e até hoje não sei onde eles estão. Nunca mais nos encontramos. E, onde quer que estejam, eles vão estar bem. Se Deus quiser, nós vamos nos ver novamente. Ainda assim, hoje estou muito feliz de estar sob a proteção da agência da ONU para refugiados Acnur: sem ela, eu hoje não estaria vivo. Agradeço muito às Nações Unidas.

DW: Você também está correndo aqui pela ONU e seus encarregados dos refugiados?

YPB: Sim. Quando eu deixei minha família eles me acolheram, me apoiaram. Agora eu vivo no Quênia. Lá, entre os refugiados, eu encontrei uma nova família.

DW: Alguns críticos dizem que a equipe de refugiados é uma boa campanha de publicidade para o COI em tempos difíceis. Como vê isso?

YPB: A equipe olímpica de refugiados é uma boa ideia do presidente do COI [Thomas Bach]. Pois nosso grupo mostra: todas as pessoas são iguais. Queremos mostrar isso ao mundo. Estamos todos muito felizes que o COI esteja nos dando esta chance.

DW: Como continuará a sua história, quando os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro chegarem ao fim?

YPB: Também depois dos Jogos eu quero continuar com meu treinamento. Mas também quero frequentar a escola, a fim de um dia poder entrar para uma universidade. Eu quero aprender, para um dia poder mudar as coisas, também para os meus amigos refugiados. Quero assim me tornar um ser humano melhor.

Por Joscha Weber, do Rio de Janeiro

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