Sociedade

Rumo à estação desperdício

O Ministério Público quer saber por que o Metrô de São Paulo pagou por reforma quase o mesmo valor que gastaria em trens novos

Segundo a denúncia, o custo da máquina recauchutada equivale a 86% do preço de uma zero quilômetro. Foto: Adriano Lima/AE
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Uma curiosa matemática do Metrô paulista virou alvo de investigação. Na quarta-feira 6, às vésperas do feriado de Corpus Christi, o promotor do Patrimônio Público Marcelo Milani instaurou inquérito para apurar os suspeitos contratos firmados pela companhia estatal com as empresas responsáveis pela modernização de sua frota. Em 2009, o Metrô decidiu abrir concorrência para reformar 98 trens, alguns com mais de 30 anos de uso, ao custo total de 1,75 bilhão de reais. Ao optar pela “modernização”, em vez da aquisição de novos trens, seria natural supor que o Metrô teve uma economia considerável. Talvez não seja o caso.

Na prática, o valor de cada composição reformada equivale a 86% do preço de um trem novo, segundo o deputado estadual Simão Pedro (PT), autor da representação encaminhada ao Ministério Público. E, conforme revelou um funcionário da empresa pública a CartaCapital, o custo pode ser bem maior, talvez até superior ao da aquisição de equipamentos novinhos em folha, se levar em conta o elevado número de funcionários da estatal envolvidos no projeto (“seguramente mais de cem, muitos deles engenheiros”) e o fato de que o Metrô fornece algumas das peças usadas na reforma.

O trabalho teve início em 2010 e as empresas têm 68 meses para concluí-lo. De acordo com a representação do parlamentar petista, em vez de optar pela concorrência na modalidade internacional, já que cerca de 50% das peças terão de ser importadas, a direção do Metrô à época fez uma licitação nacional e dividiu a obra em quatro lotes, o que permitiu às empresas se organizarem em consórcios, onde apenas um licitante por lote apresentou propostas.

Ao avaliar os contratos, o conselheiro Eduardo Bittencourt Carvalho, do Tribunal de Contas do Estado, questionou o Metrô sobre a falta de competitividade no certame. Segundo Simão Pedro, a não realização de uma concorrência de fato causou enormes prejuízos, além de o Metrô ter de pagar quatro projetos executivos, e não um. Cada projeto custa cerca de 70 milhões de reais. Pior: os diferentes consórcios usam tecnologias distintas, o que tornou a frota heterogênea e criou dificuldades para os engenheiros na implantação do sistema de controle automático dos trens (CBTC, em inglês).

Em maio de 2011, o Metrô paulista contratou a espanhola CAF para fabricar 26 novos trens para a linha Lilás. Cada unidade será entregue ao custo de 23,6 milhões de reais. Dois anos antes, quando firmou os contratos para a reforma de 98 trens usados das linhas Azul e Vermelha, a companhia se dispôs a pagar 20,2 milhões de reais por trem recauchutado, em valores corrigidos. Ou seja, a reforma de um trem usado saiu por 86% do preço de um novo. Sem falar que os trens velhos, caso fossem descartados, poderiam ser vendidos. Dificilmente seriam reaproveitados em outro sistema, mas os vagões certamente têm uma valiosa sucata.


Cada carro pesa perto de 33 toneladas, e ao menos um quarto disso é de placas de aço inoxidável de boa qualidade. E estamos falando de 98 trens com seis carros em cada composição. Sem falar nas peças de cobre e nos componentes eletrônicos. Trata-se de um ferro-velho milionário.

“Não faz o menor sentido. Não precisa ser especialista para saber que é antieconômica uma reforma quando esta custa mais de 60% do valor de um bem novo”, afirma Simão Pedro. “Além disso, o Metrô fixou as taxas de câmbio quando o euro estava cotado em 3,30 reais e o dólar, em 2,20 reais. O real acabou se -valorizando e causou um prejuízo, até o momento, de cerca de 40 milhões de reais, que pode chegar a 120 milhões até o fim da reforma dos trens. A companhia deveria ter feito reequilíbrio econômico-financeiro desses contratos, mas, até agora, nada.”

O deputado começou a investigar os contratos há sete meses, a partir de uma denúncia anônima. Foi um funcionário do Metrô que alertou o parlamentar sobre as suspeitas de irregularidades. Esse mesmo técnico conversou com a reportagem de CartaCapital e afirmou que todos os materiais usados na reforma dos truques dos trens (sistema de rodagem) são fornecidos pelo próprio Metrô. São materiais caros, que a companhia costuma empregar na manutenção dos trens em operação. Cada roda custa cerca de 1,5 mil reais. Um eixo é estimado em 1,5 mil reais. E centenas, talvez milhares de peças como essas, precisarão ser repostas na reforma.

O promotor Milani expediu ofícios ao Metrô para ter acesso aos contratos. Talvez fosse o caso de também requisitar as notas fiscais fornecidas pelas empresas, verificar o preço dos materiais fornecidos e comparar com os valores que constam no sistema da companhia. CartaCapital teve acesso a cópias de algumas das notas fiscais emitidas pela Alstom para o Metrô, que apresentam o valor global de materiais fornecidos sem a discriminação de cada item. As peças fornecidas estavam relacionadas em lista anexa, sem o valor unitário de cada peça.


É curioso porque algumas dessas notas apresentam valores superiores a 1,5 milhão de reais, mas não há como saber o valor exato de cada item fornecido. Segundo um funcionário do Metrô, nem mesmo os responsáveis por receber esses materiais e dar baixa no estoque sabem o valor de cada produto recebido e, por vezes, a peça é registrada no sistema com um valor fictício, estimativa de preço que o próprio empregado da companhia faz.

Em resposta a CartaCapital, o departamento de imprensa do Metrô disse que não é possível comparar o valor de um trem novo adquirido em 2011 com um contrato de reforma assinado dois anos antes. A companhia teria optado pela reforma ao avaliar os valores cobrados pela CAF em 2008 para o fornecimento de 17 trens. Sem especificar o valor desse contrato, a assessoria revela que a “modernização” saiu por 60% do preço de um trem novo.

O Metrô também diz que nenhuma empresa estrangeira foi impedida de participar da licitação, mas havia a necessidade logística de que a reforma dos trens fosse feita aqui no Brasil, por isso o consórcio deveria ter instalações no -País. Além disso, prossegue, a companhia fixou uma taxa de câmbio por exigência legal, mas os serviços são remunerados pelo câmbio vigente na época do pagamento. O Metrô alega ainda que o contrato não inclui serviços de revisão dos truques dos trens. Quanto às notas fiscais, a empresa pública afirma que o contrato é em regime global, onde os valores do fornecimento de equipamentos e materiais aplicados aos trens modernizados estão definidos em cláusula específica do contrato. “As listas anexas são romaneios dos materiais e equipamentos instalados na modernização.”

Uma curiosa matemática do Metrô paulista virou alvo de investigação. Na quarta-feira 6, às vésperas do feriado de Corpus Christi, o promotor do Patrimônio Público Marcelo Milani instaurou inquérito para apurar os suspeitos contratos firmados pela companhia estatal com as empresas responsáveis pela modernização de sua frota. Em 2009, o Metrô decidiu abrir concorrência para reformar 98 trens, alguns com mais de 30 anos de uso, ao custo total de 1,75 bilhão de reais. Ao optar pela “modernização”, em vez da aquisição de novos trens, seria natural supor que o Metrô teve uma economia considerável. Talvez não seja o caso.

Na prática, o valor de cada composição reformada equivale a 86% do preço de um trem novo, segundo o deputado estadual Simão Pedro (PT), autor da representação encaminhada ao Ministério Público. E, conforme revelou um funcionário da empresa pública a CartaCapital, o custo pode ser bem maior, talvez até superior ao da aquisição de equipamentos novinhos em folha, se levar em conta o elevado número de funcionários da estatal envolvidos no projeto (“seguramente mais de cem, muitos deles engenheiros”) e o fato de que o Metrô fornece algumas das peças usadas na reforma.

O trabalho teve início em 2010 e as empresas têm 68 meses para concluí-lo. De acordo com a representação do parlamentar petista, em vez de optar pela concorrência na modalidade internacional, já que cerca de 50% das peças terão de ser importadas, a direção do Metrô à época fez uma licitação nacional e dividiu a obra em quatro lotes, o que permitiu às empresas se organizarem em consórcios, onde apenas um licitante por lote apresentou propostas.

Ao avaliar os contratos, o conselheiro Eduardo Bittencourt Carvalho, do Tribunal de Contas do Estado, questionou o Metrô sobre a falta de competitividade no certame. Segundo Simão Pedro, a não realização de uma concorrência de fato causou enormes prejuízos, além de o Metrô ter de pagar quatro projetos executivos, e não um. Cada projeto custa cerca de 70 milhões de reais. Pior: os diferentes consórcios usam tecnologias distintas, o que tornou a frota heterogênea e criou dificuldades para os engenheiros na implantação do sistema de controle automático dos trens (CBTC, em inglês).

Em maio de 2011, o Metrô paulista contratou a espanhola CAF para fabricar 26 novos trens para a linha Lilás. Cada unidade será entregue ao custo de 23,6 milhões de reais. Dois anos antes, quando firmou os contratos para a reforma de 98 trens usados das linhas Azul e Vermelha, a companhia se dispôs a pagar 20,2 milhões de reais por trem recauchutado, em valores corrigidos. Ou seja, a reforma de um trem usado saiu por 86% do preço de um novo. Sem falar que os trens velhos, caso fossem descartados, poderiam ser vendidos. Dificilmente seriam reaproveitados em outro sistema, mas os vagões certamente têm uma valiosa sucata.


Cada carro pesa perto de 33 toneladas, e ao menos um quarto disso é de placas de aço inoxidável de boa qualidade. E estamos falando de 98 trens com seis carros em cada composição. Sem falar nas peças de cobre e nos componentes eletrônicos. Trata-se de um ferro-velho milionário.

“Não faz o menor sentido. Não precisa ser especialista para saber que é antieconômica uma reforma quando esta custa mais de 60% do valor de um bem novo”, afirma Simão Pedro. “Além disso, o Metrô fixou as taxas de câmbio quando o euro estava cotado em 3,30 reais e o dólar, em 2,20 reais. O real acabou se -valorizando e causou um prejuízo, até o momento, de cerca de 40 milhões de reais, que pode chegar a 120 milhões até o fim da reforma dos trens. A companhia deveria ter feito reequilíbrio econômico-financeiro desses contratos, mas, até agora, nada.”

O deputado começou a investigar os contratos há sete meses, a partir de uma denúncia anônima. Foi um funcionário do Metrô que alertou o parlamentar sobre as suspeitas de irregularidades. Esse mesmo técnico conversou com a reportagem de CartaCapital e afirmou que todos os materiais usados na reforma dos truques dos trens (sistema de rodagem) são fornecidos pelo próprio Metrô. São materiais caros, que a companhia costuma empregar na manutenção dos trens em operação. Cada roda custa cerca de 1,5 mil reais. Um eixo é estimado em 1,5 mil reais. E centenas, talvez milhares de peças como essas, precisarão ser repostas na reforma.

O promotor Milani expediu ofícios ao Metrô para ter acesso aos contratos. Talvez fosse o caso de também requisitar as notas fiscais fornecidas pelas empresas, verificar o preço dos materiais fornecidos e comparar com os valores que constam no sistema da companhia. CartaCapital teve acesso a cópias de algumas das notas fiscais emitidas pela Alstom para o Metrô, que apresentam o valor global de materiais fornecidos sem a discriminação de cada item. As peças fornecidas estavam relacionadas em lista anexa, sem o valor unitário de cada peça.


É curioso porque algumas dessas notas apresentam valores superiores a 1,5 milhão de reais, mas não há como saber o valor exato de cada item fornecido. Segundo um funcionário do Metrô, nem mesmo os responsáveis por receber esses materiais e dar baixa no estoque sabem o valor de cada produto recebido e, por vezes, a peça é registrada no sistema com um valor fictício, estimativa de preço que o próprio empregado da companhia faz.

Em resposta a CartaCapital, o departamento de imprensa do Metrô disse que não é possível comparar o valor de um trem novo adquirido em 2011 com um contrato de reforma assinado dois anos antes. A companhia teria optado pela reforma ao avaliar os valores cobrados pela CAF em 2008 para o fornecimento de 17 trens. Sem especificar o valor desse contrato, a assessoria revela que a “modernização” saiu por 60% do preço de um trem novo.

O Metrô também diz que nenhuma empresa estrangeira foi impedida de participar da licitação, mas havia a necessidade logística de que a reforma dos trens fosse feita aqui no Brasil, por isso o consórcio deveria ter instalações no -País. Além disso, prossegue, a companhia fixou uma taxa de câmbio por exigência legal, mas os serviços são remunerados pelo câmbio vigente na época do pagamento. O Metrô alega ainda que o contrato não inclui serviços de revisão dos truques dos trens. Quanto às notas fiscais, a empresa pública afirma que o contrato é em regime global, onde os valores do fornecimento de equipamentos e materiais aplicados aos trens modernizados estão definidos em cláusula específica do contrato. “As listas anexas são romaneios dos materiais e equipamentos instalados na modernização.”

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