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Democratas abandonam batalha interna e partem para a guerra

Convenção do Partido Democrata começa sob a sombra do vazamento de e-mails da liderança da legenda. Michelle Obama e Sanders pedem apoio a Hillary

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Por Richard Walker, da Filadélfia (lpf)

Oscar Salazar percorreu cerca de 200 quilômetros – de Sleepy Hollow, no estado de Nova York, à Filadélfia – para acompanhar a decisiva convenção democrata, que teve início nesta segunda-feira 26. Ele costumava vestir a camisa de Bernie Sanders, mas depois que o pré-candidato manifestou apoio à correligionária Hillary Clinton, ele e outros apoiadores ficaram um tanto quanto desolados.

“Não quero votar no menor de dois males”, diz Salazar. O mesmo vale para os demais reunidos aqui, na prefeitura da Filadélfia, enquanto a convenção democrática tem início do outro lado da cidade.

Durante a amarga campanha nas primárias do partido, Hillary era considerada o Grande Satã, um inimigo até mesmo mais urgente que Donald Trump. “Ela é a personificação do 1%”, afirma Carla Reyes, que segura um cartaz com as palavras: “De qualquer maneira, Wall Street ganha.”

Muitos custam a acreditar que Clinton tenha derrotado Sanders de maneira justa. Alguns suspeitam de fraude eleitoral. Eles nunca duvidaram que a máquina do Partido Democrata estivesse contra eles, e agora têm uma prova disso: o vazamento por meio da plataforma Wikileaks de 20 mil e-mails da liderança do partido, que caiu como uma bomba à véspera da convenção.

Os e-mails indicam que a presidente da legenda, Debbie Wasserman Schultz, e outros claramente favoreceram Clinton frente a Sanders durante as primárias. Isso era de se esperar, considerando que Sanders ocupava um assento no Senado não como democrata, mas como independente. Mesmo assim, o vazamento foi um grande escândalo.

Sanders exigiu que Wasserman Schultz renunciasse, e em poucas horas ela obedeceu. O nome dela ainda está no cordão em volta do pescoço dos participantes da convenção democrata. Não deu tempo de reimprimi-los.

Papel conciliador de Michelle Obama

Durante a convenção, a multidão vaiou diversas vezes, sobretudo os apoiadores de Sanders a cada menção do nome de Hillary. Uma canção de Paul Simon, que se apresentou durante o evento, no Wells Fargo Center, parecia uma tentativa sentimental de acabar com as vaias. Afinal, Sanders usou muitas vezes a música de Simon & Garfunkel em seus comícios e propagandas.

A música de Simon foi o prelúdio para os destaques da noite: os discursos de Michelle Obama, Elizabeth Warren e o próprio Sanders. Discursos que definiriam o tom para o restante da semana – de união ou divisão, de uma ponte ou águas turbulentas.

O papel de Michelle como alguém acima da batalha foi, de alguma maneira, compreendido por todos, e ninguém se atreveu a interromper seu discurso. “Quando Hillary não venceu há oito anos, ela não ficou com raiva ou desiludida”, disse, voltando-se para os apoiadores de Sanders. “Por causa de Hillary Clinton, minhas filhas e todos os nossos filhos e filhas agora consideram normal que uma mulher possa ser presidente dos Estados Unidos.”

Para alguns mais à esquerda, Elizabeth Warren teria sido a candidata dos sonhos dos democratas, sendo Sanders e Hillary vistos como farinha do mesmo saco. Mas Warren já havia manifestado apoio a Hillary, e o reiterou nesta noite.

Legado de Sanders

Finalmente chegou a vez de Sanders. E é claro que a música de Simon & Garfunkel acompanhou sua entrada no palco. Desta vez, a canção foi America, tocada a partir de uma gravação. Alguns devem ter se perguntado por que Paul Simon não voltou ao palco para cantar ao vivo.

Quero agradecer aos 13 milhões de eleitores que votaram por uma revolução política, nos garantindo 1.846 delegados”, disse. “Qualquer observador objetivo concluirá que, com base em suas ideias e em sua liderança, Hillary Clinton precisa ser a próxima presidente dos Estados Unidos”, acrescentou.

Sanders apimentou seu discurso com conquistas, sobretudo junto à plataforma da campanha democrata – um conjunto de propostas vistas como o que há de mais à esquerda na história do partido. Incluindo desde educação superior gratuita para estudantes de classe média a um salário mínimo de 15 dólares por hora e uma reforma bancária, esta foi a verdadeira vitória pós-primárias da campanha de Sanders.

Depois do discurso de Sanders, Andy Sandeler, delegado e ativista democrata do Kansas, afirmou que a atual plataforma do partido é a mais progressista que os democratas já tiveram. Para ele, isso é uma força unificadora maior do que qualquer outra coisa que Hillary pudesse oferecer.

Inimigo Trump

Mas para a eleitora Jennifer Rode, a força unificadora vem de fora. Ela disse que um momento de clareza veio durante a convenção republicana da semana passada, no qual Donald Trump foi oficialmente nomeado como o candidato do partido à Casa Branca. “Trump é um inimigo assustador da liberdade”, disse.

Quanto às revelações por meio do Wikileaks, a eleitora disse não ter ficado surpresa. “Não foi nada de novo e isso não muda nada. Só estou desapontada com o fato de o processo democrático não ser tão democrático quando eu gostaria que fosse.”

Para a maioria dos apoiadores fervorosos de Sanders, isso tudo não basta. Salazar considera apoiar o Partido Verde. “Estou pensando em Jill Stein. Ela tem as mesmas ideias de Bernie.” E ele não é o único a pensar assim, o que significa boas notícias para Jill Stein, mas e para Hillary?

Na eleição presidencial de 2000, o predecessor de Stein, Ralph Nader, foi visto como alguém que roubou os votos de Al Gore que poderiam ter garantido a vitória contra George W. Bush. O caso tornou-se um exemplo dos perigos de mais partidos na disputa. E esse é somente mais um dos riscos a serem enfrentados por Hillary ao avançar da batalha contra Sanders para a guerra contra Trump.

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